Fernanda Magnotta

Fernanda Magnotta

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

A diplomacia de Lula e o dilema do incômodo permanente dos poderosos

Na última semana, o Brasil, exercendo a presidência do G20, acolheu ministros das Relações Exteriores e representantes de organizações internacionais no Rio de Janeiro para a primeira Reunião de Chanceleres do ano. O encontro não apenas movimentou o país, como colocou o Brasil nos holofotes da política internacional.

Sabemos que Lula busca, em seu terceiro mandato, reverter o isolamento internacional do Brasil, herança do governo anterior, e que deseja deixar a sua marca por meio de uma política externa ativa e ambiciosa. Além do interesse pessoal em questões globais, o presidente almeja, a cada ato, reconstruir a reputação do Brasil pela da comunidade internacional, ao mesmo tempo em que entende a política externa como um instrumento importante para o fortalecimento de sua liderança também do ponto de visto doméstico.

Se o envolvimento em controvérsias relacionadas a conflitos internacionais, como a guerra na Ucrânia, a situação em Gaza e a crise na Venezuela, por exemplo, tem constantemente colocado em teste a diplomacia brasileira, eventos como o G20, esse ano, e a COP 30, no ano que vem, surgem como oportunidades para que o Brasil ajuste a rota e promova uma abordagem positiva em áreas em que possui voz e credibilidade reconhecidas. Não à toa a agenda escolhida para o G20 gira em torno de temas como a luta contra a fome e a desigualdade, o enfrentamento da mudança climática e a modernização dos mecanismos de governança global.

O caminho, nesse caso, parece correto e muito menos controverso do que outrora, quando sugerimos criar o "Clube da Paz" no leste europeu ou quanto o presidente brasileiro proferiu falas sensíveis envolvendo o Holocausto. Faz sentido que o Brasil defenda, por exemplo, o perdão de dívidas de países vulneráveis, que busque o aumento de financiamento visando a transição para a economia verde em países em desenvolvimento, ou que pleiteie maior representação em instâncias multilaterais.

O problema que surge no horizonte, no entanto, é de outra natureza. Não tem a ver com posições polêmicas nem discursos improvisados, como têm sido o caso nesse momento. Remete à célebre frase filósofo espanhol José Ortega y Gasset: "O homem é o homem e suas circunstâncias". Tem a ver com a ideia de que o comportamento de um indivíduo não pode ser compreendido isoladamente, mas está profundamente enraizado e é influenciado pelo contexto social, histórico, cultural e ambiental em que esse indivíduo existe.

Transportando a mesma lógica para a política externa, significaria dizer que mesmo que o Brasil direcione energia para exercer a sua vocação internacional de forma construtiva e que opte por um caminho de temas vistos como legítimos pela comunidade global, o endereçamento disso tudo, no G20 ou COP 30, ainda dependerá, em grande medida, de circunstâncias que pouco podemos controlar.

O contexto atual é marcado por um retorno a passos largos à geopolítica clássica e, com guerras se agravando e novos conflitos iminentes, a necessidade de recursos de "poder duro" costumam passar à frente na hierarquia de prioridade dos países. O Brasil, que não dispõe abundantemente desses recursos, é compelido a tentar direcionar o diálogo internacional para outras vias.

Poderá ser difícil tratar de pobreza, emergência climática e reformas institucionais mundo afora, enquanto boa parte dos países têm os seus interesses vitais mais primários voltados à Ucrânia, Gaza, Irã ou Taiwan. Isso sem contar a reviravolta que poderá ocorrer, do ponto de vista geopolítico, se semanas antes da Cúpula do G20, Donald Trump for eleito presidente dos Estados Unidos.

Assim sendo, e sem querer estragar a festa, é preciso que estejamos preparados, pois nesse ambiente global pode ser que tenhamos que assimilar frustrações de dois tipos: 1) quando decidimos nos envolver nos temas mais quentes da cena internacional, em que nossos interesses imediatos não são tão óbvios, somos tratados como "crianças na sala"; mas 2) quando definimos uma agenda e trabalhamos para conduzir conversas em que efetivamente temos legitimidade e experiencia para contribuir, há chance de que sejamos relegados, pelo timing das "circunstâncias" a segundo plano, já que a todos priorizar outras pautas. Ficamos, assim, perante os atores mais poderosos, entre a crítica do superativismo e a indiferença da realpolitik.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes