Biden modera discurso, de olho na eleição, mas EUA seguem armando Israel
No contexto eleitoral norte-americano, o presidente Joe Biden enfrenta o desafio de equilibrar seu apoio a Israel com a necessidade de apaziguar os ânimos domésticos nos Estados Unidos —especialmente entre grupos de eleitores em estados chave que protestam contra as ações de seu governo em Gaza.
Tentando moderar o tom, em seu discurso do Estado da União de semanas atrás, Biden reafirmou o direito de Israel de se defender contra o Hamas, enquanto também enfatizou a responsabilidade de Israel de proteger civis inocentes em Gaza, destacando o impacto devastador do conflito sobre a população civil.
Biden reconheceu as graves perdas humanitárias e anunciou esforços para estabelecer um cessar-fogo e aumentar a assistência humanitária, incluindo a criação de um porto temporário na costa de Gaza.
Com uma postura firme contra o massacre na Faixa de Gaza em uma entrevista posterior a uma rede de TV, Biden sinalizou uma "linha vermelha" contra mais perdas de vidas palestinas na região de Rafah, reiterando a complexidade de sua posição ao tentar conciliar o apoio firme a Israel com a defesa dos direitos humanos e a busca por uma solução de dois Estados.
Esse é um caso típico que expõe hipocrisias da política internacional: ao mesmo tempo em que o governo dos Estados Unidos parece estar desagradando um país aliado com a mudança de tom do discurso de seu presidente, os fluxos materiais de ajuda a Israel seguem a todo vapor. Um apoio que tem profundas e complexas razões históricas, ideológicas, estratégicas e de pressão doméstica.
De acordo com o Council on Foreign Relations (CFR), Israel é o maior beneficiário da ajuda externa dos Estados Unidos desde sua fundação, recebendo aproximadamente US$ 300 bilhões (ajustados pela inflação) em assistência econômica e militar. Em um memorando de entendimento de 2019, os Estados Unidos se comprometeram a fornecer cerca de US$ 3,8 bilhões anuais em assistência militar a Israel até 2028.
Lei proíbe ajuda a países que cometem violações
A legislação dos Estados Unidos exige que o Congresso revise o envio de armas e assistências financeiras/militares para outros países. No entanto, o presidente pode contornar essa exigência em casos de emergência, uma ação tomada por Biden tanto para a Ucrânia quanto para Israel.
A Lei Leahy proíbe o envio de armas dos Estados Unidos para países e grupos que possam cometer violações dos direitos humanos, e críticas foram levantadas por especialistas legais contra Biden por violar essa lei ao fornecer armamentos para Israel e outros países do Oriente Médio. Ainda assim, os recursos seguem sendo enviados.
Além disso, a legislação norte-americana incorpora o princípio da Vantagem Militar Qualitativa (Qualitative Military Edge, QME), que obriga os Estados Unidos a assegurarem a capacidade de defesa de Israel. Esse princípio é levado em consideração mesmo quando os Estados Unidos comercializam armas com outros países da região, garantindo que Israel tenha os meios para se defender de possíveis ataques.
Segundo a Axios, a assistência dos Estados Unidos a Israel é predominantemente composta por concessões de armas, com mais de 80% das importações de armas de Israel entre 1950 e 2020 provenientes dos Estados Unidos. Israel não só recebe uma quantidade significativa de armas, mas também tem acesso ao equipamento militar mais avançado do mundo, incluindo o F-35 Joint Strike Fighter.
Além do suporte financeiro e militar, Israel e os Estados Unidos têm uma longa história de realização de exercícios militares conjuntos, culminando no maior desses exercícios em janeiro de 2023. A parceria entre os dois países se estende também à troca de informações, embora a dinâmica dessa cooperação tenha experimentado várias mudanças ao longo dos anos.
De acordo com informações da Reuters, os Estados Unidos mantêm cerca de 30 mil tropas na região do Oriente Médio, tendo enviado adicionalmente 900 após um ataque do Hamas em Gaza. A Axios reporta que, embora o número exato de tropas estadunidenses em Israel não seja claramente conhecido, os Estados Unidos operam pelo menos uma base militar no país, conhecida como "Site 512", que se acredita ser uma base de vigilância utilizada para a detecção de mísseis por radar.
Enquanto isso, The Intercept revela que, apesar das afirmações da Casa Branca de não ter planos de enviar mais tropas para Israel, contratos governamentais e relatórios orçamentários indicam uma presença militar secreta dos Estados Unidos que está se expandindo. Localizado no deserto de Negev, o "Site 512", originalmente focado em monitorar mísseis iranianos, estaria sendo ampliado com novas instalações de habitação, conforme sugerem documentos secretos.
O resumo é que a realidade é muito mais complicada do que parece. Não tem a ver com o discurso ou a vontade de um indivíduo, ainda que ele seja o presidente dos Estados Unidos. Por mais apaziguador que tente ser o discurso de Biden contra os excessos de Israel nesse momento, como diz o ditado: na prática, a teoria é outra.
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