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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na reunião do G20 sobre o Afeganistão, o grande vencedor é o Talibã

Imagem de Cabul, capital do Afeganistão, que foi tomada pelo Talibã em agosto - Getty Images/iStockphoto
Imagem de Cabul, capital do Afeganistão, que foi tomada pelo Talibã em agosto Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

14/10/2021 04h00

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Há um provérbio popular que, em inglês, diz: "what cannot be cured must be endured" (na tradução livre, "o que não pode ser curado deve ser suportado"). Trata-se de uma frase usualmente aplicada a situações em que, diante das dificuldades impostas pelas circunstâncias, nada mais resta senão o pragmatismo dos conformados.

É o caso da articulação internacional em torno do Afeganistão nesse momento. Primeiro, após terem sido vencidos pelo cansaço, foram os Estados Unidos a aceitarem o fim da guerra. Agora, também o G20 se mobiliza para recolher os cacos que ficaram ao redor da atabalhoada retirada norte-americana daquele país.

O discurso oficial em torno da cúpula extraordinária dessa semana, na Itália, apregoa a prioridade de enviar ajuda direta à população afegã. Do ponto de vista humanitário, o tema é, de fato, premente: pelo menos metade dos afegãos já foram impactados pela crise econômica e, de acordo com levantamento divulgado pelo Unicef, cerca de 1 milhão de crianças sofrem de desnutrição severa no país.

Desde a tomada de poder do Talibã, o Afeganistão teve fundos internacionais bloqueados, o que afeta a liquidez dos bancos. Isso, somado à crise de abastecimento e à inflação galopante, faz com que a situação geral seja, de fato, dramática. É, portanto, razoável que as lideranças internacionais estejam atentas ao tema.

Apesar disso, em situações como essa, não se pode ignorar o não dito: a pauta do G20 deixa claro que o Talibã é o grande vencedor desse jogo. As potências ocidentais não priorizaram o enfrentamento direto ao grupo extremista. Não parecem interessadas em fazer de seu encontro um foro de contestação do novo governo afegão, nem de proposições de linha dura contra seus excessos.

Não basta que autoridades europeias digam que "o contato com o Talibã não significa seu reconhecimento". Para além do efeito limitado das palavras, a agenda do G20, por si só, reconhece, sim, o mando do Talibã. Mais do que isso, coloca o grupo diante da necessidade de ajudar a financiar um Estado em colapso, sem ter quaisquer garantias sobre quem irá se apropriar dos recursos despejados pela comunidade internacional.

Também saltam aos olhos as ressalvas de China e Rússia sobre o encontro, evidenciando o racha interno do G20, coisa que todos temos testemunhado desde a retomada de Cabul pelo Talibã. Essa é outra vitória para o novo governo do Afeganistão, que poderá operar as divergências de posições entre as potências como forma de explorar vantagens para si e elevar o poder de barganha nas negociações.

Por fim, a reunião do G20 também escancara a preocupação com o fortalecimento do terrorismo na região e o aumento de fluxos imigratórios advindos da crise humanitária. Para endereçar os dois temas, que afetam diretamente os interesses domésticos desses países, as lideranças do G20 sabem que precisam articular com o Talibã.

O G20 não chamou para si a responsabilidade sobre o futuro geopolítico da região. Em vez disso, partiu para a conduta do: "o que não pode ser curado deve ser suportado". Por trás da relativa desresponsabilização, não está apenas certa resignação, mas também a reconhecida impotência de vários dos países mais ricos do mundo diante da magnitude e complexidade da crise.

Em um mundo de hipocrisias e de múltiplas batalhas simultâneas para enfrentar, o G20 decidiu, no Afeganistão, tratar câncer com esparadrapo.