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Com resultados modestos, COP26 é marcada pelas suas ausências
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Desde que teve de ser remarcada em função da pandemia de covid-19, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas desse ano, conhecida por COP26, estava cercada de muitas expectativas. Esperava-se poder retomar compromissos firmados desde o Acordo de Paris, de 2015, e avançar em arranjos capazes de limitar o aquecimento global. Além disso, na pauta de 2021 figuravam como prioridades também o interesse de debater a proteção das florestas e a transição de matrizes energéticas para reduzir a dependência de combustíveis fósseis mundo afora.
Seria exagero dizer que a Cúpula foi, até agora, um fracasso, como alguns tentam insinuar. Não se pode perder de vista que, nesse momento, os países tentam equilibrar-se diante de diversos desafios simultâneos. Seguem precisando controlar a pandemia e buscar meios para viabilizar sua recuperação econômica, por exemplo. Ao reconhecerem, portanto, a premência da agenda ambiental e dedicarem energia e capital político a esse encontro, já elevam, por si só, o status da COP26.
Entre os resultados mais marcantes das negociações que acompanhamos nos últimos dias, dois elementos merecem especial destaque:
- O primeiro deles tem a ver com a consolidação do chamado "Forest Deal", um acordo de proteção florestal que visa combater o desmatamento, bem como deter e reverter globalmente as perdas florestais e a degradação do solo até 2030.
- O segundo relaciona-se com a meta anunciada para o controle da emissão de metano: o planeta precisa reduzir a emissão desse gás em 30% em menos de dez anos.
Apesar desses avanços pontuais, o que eclipsou os feitos da COP26 foram algumas incômodas ausências:
- A carência de uma divisão clara, por país, de percentuais para redução de emissões;
- O não comparecimento de líderes de potências importantes para o debate ambiental, como Xi Jinping e Vladimir Putin;
- A dificuldade em encontrar consensos com países-chave, como a Índia;
- O envolvimento limitado de representantes da sociedade civil, particularmente de grupos mais vulneráveis nas pautas tratadas.
No caso do Brasil, especificamente, temos um capítulo à parte quando o assunto é o que nos faltou.
O presidente Jair Bolsonaro preferiu investir em uma tour pela Itália, após o término da Cúpula do G20, em vez de viajar para Glasgow, no Reino Unido. Designou o Ministério do Meio Ambiente para se ocupar da COP26. Nos faltou, para começo de conversa, liderança, senso de prioridade e capacidade de discernir entre interesses públicos e privados.
Do ponto de vista material, a delegação brasileira apresentou um cronograma ambicioso de redução do desmatamento ilegal, prometendo zerar essa prática até 2028. Também aceitou embarcar em boa parte dos compromissos propostos no campo multilateral. O problema, nesse caso, está, como tem sido de praxe, na falta de coesão entre discurso e prática do governo.
Técnicos e diplomatas conduziram as negociações dentro de boa parte dos scripts e expectativas da comunidade internacional, mas não podem contar com a certeza de que encontrarão, em Brasília, respaldo político para implementar ações condizentes com as promessas que fizeram.
Vale citar que o coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima pediu demissão em meio à realização da COP26, o que gerou uma série de especulações sobre incômodos e frustrações que poderiam explicar essa decisão.
Em casa, o governo brasileiro deslegitima sistematicamente órgãos ambientais, apoia projetos de lei que podem aumentar o desmatamento, defende posições controversas quando o assunto é grilagem, licenciamento ambiental ou direitos indígenas. Os números da degradação ambiental no país são alarmantes e o sucateamento das estruturas especializadas vem a galope nos últimos anos. Nos falta, portanto, credibilidade.
Por fim, como se não bastasse, o presidente brasileiro confundiu, durante uma entrevista, o nome do enviado especial dos Estados Unidos para questões climáticas, John Kerry, com o do ator e humorista Jim Carrey. O trecho repercutiu mundo afora e virou objeto de piada em programas tradicionais da TV norte-americana como o "The Late Show", de Stephen Colbert. Nesse caso, é até difícil elencar todas as coisas que nos faltaram, a começar pelo senso de ridículo.
Recentemente uma exposição de arte lembrou da velha expressão russa "I am not me, the horse is not mine", que em tradução literal significa "Eu não sou eu, o cavalo não é meu". Trata-se de um ditado utilizado quando se tem a intenção de negar a responsabilidade por algo. Parece a estratégia do governo brasileiro diante da pauta ambiental. No caso da Pindorama, é como se estivéssemos, o todo tempo, sendo regidos por um duplipensar permeado de narrativas conflitantes e mutuamente contraditórias. Misturadas com manobras diversionistas, seguimos, aos olhos do mundo, "negando as aparências e disfarçando as evidências".
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