Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que Rússia invadiu Ucrânia: novo capítulo guiado por guerra de versões
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Nenhum conflito global é fortuito ou acontece "do nada". Por mais que a nossa compreensão muitas vezes não alcance toda a complexidade que eles envolvem, fato é que a política internacional é sempre feita de processos, de incentivos e de disputas de longo prazo.
Da mesma forma, também a política internacional é feita da tentativa de controlar narrativas e da permanente busca dos atores envolvidos por promover a sua versão do que entendem ser "a verdade".
No atual conflito entre Rússia e Ucrânia, isso não é diferente. Estamos falando de um enfrentamento antigo que ganha, em 2022, um novo momentum. Estamos falando também de um conflito sobre o qual existem algumas diferentes versões.
Se alguém perguntar, portanto, afinal, quais são os motivos para a guerra na Ucrânia, vale a resposta:
- Depende daquele a quem se pergunta;
- Depende se a leitura que se faz é conjuntural ou estrutural;
- Depende se análise leva em conta apenas aspectos objetivos ou também a dimensão subjetiva.
Do ponto de vista russo, especificamente, há algumas camadas a serem levadas em conta.
Do ponto de vista conjuntural, tudo começou sob a reivindicação de oferecer apoio militar para províncias separatistas no leste da Ucrânia. Essas regiões são ocupadas por indivíduos pró-Rússia, que falam esse idioma e que se entendem como parte de um grupo identitário perseguido dentro da Ucrânia.
A Rússia alega que a Ucrânia abriga organizações nazistas que estariam perseguindo minorias russas, cerceando seus direitos e inviabilizando sua existência. A operação, nesse sentido, consistiria em oferecer proteção a esses grupos.
Do ponto de vista estrutural, no entanto, sabemos que o incomodo russo com a Ucrânia vem de outros carnavais, e mais: não está restrito exclusivamente à própria Ucrânia. Tem a ver com o Ocidente e com a forma pela qual lideranças dos Estados Unidos e Europa buscaram avançar sua zona de influência para o leste no decorrer das últimas décadas, após o fim da União Soviética.
A Rússia vê nessa incursão militar, portanto, uma oportunidade de:
- Pressionar as potências ocidentais para que elas removam armas nucleares (sobretudo norte-americanas) situadas na Europa;
- Formalizar garantias legais para que países originalmente ligados à URSS não possam aderir a organizações como a Otan, aliança militar intergovernamental que existe desde 1949 e que têm se ampliado principalmente a partir dos anos 1990. Isso inclui obviamente a Ucrânia, mas não apenas.
- Elevar os custos para evitar a contínua aproximação entre seus vizinhos mais próximos e o Ocidente. Isso envolve refrear tanto as intenções de vários desses países em aderir à União Europeia quanto conter a pré-disposição de potências ocidentais em incentivar e apoiar movimentos anti-Rússia naquela região, o que enfraquece, do ponto de vista político, lideranças favoráveis a Moscou nessa parte do mundo. Para quem gosta de história e quer entender algumas raízes dessa confusão, vale à pena pesquisar sobre os protestos que levaram à chamada Revolução Laranja na Ucrânia, entre 2004 e 2005.
Além disso tudo, que, como vimos, são elementos que correspondem a aspectos ligados a um olhar geopolítico, não se pode desprezar que a incursão russa repousa também sobre um conjunto de intenções políticas para consumo doméstico do presidente Putin e sobre percepções a respeito de quem é a Rússia e de seu papel no mundo.
Desde que chegou ao poder, alguns dos maiores picos de popularidade do presidente russo estiveram atrelados a conflitos. Por essa razão, especula-se que a guerra na Ucrânia representaria, para ele, uma nova oportunidade de angariar apoio interno e garantir longevidade no poder.
Por fim, não é desprezível o papel das crenças e das ideias políticas nisso tudo. A incursão na Ucrânia não deixa de ser um movimento que inclui a tentativa de restauração simbólica e material que remete aos tempos de glória do Império Russo e à noção de "Mãe Rússia". Para quem ainda não ouviu falar em Alexandr Dugin, considerado um mentor intelectual de Putin, vale a busca.
Nunca é demais lembrar que não existem anjos na política internacional; no lugar disso, há sempre interesses.
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