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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crise com a Rússia empurra os EUA para os braços de Venezuela e Irã

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

09/03/2022 12h53Atualizada em 10/03/2022 06h40

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A política internacional é realmente fantástica de se acompanhar. Nela, nada é perene e os compromissos ideológicos costumam se desfazer na mesma velocidade em que as crises se aceleram.

Enquanto testemunhamos o anúncio da proibição de empresas norte-americanas em comprar petróleo e derivados da Rússia, vemos ocorrer movimentações do governo Biden para encontrar meios de repor a oferta desse insumo no mercado internacional.

A dependência de petróleo dos Estados Unidos em relação à Rússia é baixa. Segundo a porta-voz da Casa Branca, o país importa apenas cerca de 700 mil barris de petróleo cru por dia daquele país. Alguns dados sugerem que isso represente algo em torno de 8% de todo o petróleo e derivados comprados pelos Estados Unidos mundo afora. Ainda assim, a situação é delicada. O petróleo é uma commodity que tem preços voláteis determinados com base na oferta e demanda do mercado internacional.

Somente a União Europeia, por exemplo, compra aproximadamente 4,5 milhões de barris por dia da Rússia. Isso significa cerca de 30% do petróleo consumido no bloco. Uma redução da provisão de petróleo por parte da Rússia e o consequente aumento da escassez desse recurso impactaria todo o planeta. Para se ter uma ideia - ainda sofrendo os efeitos da pandemia de covid-19, e em meio à maior crise inflacionária em 40 anos - o preço do galão de gasolina, nos Estados Unidos, já subiu US$ 0,41 desde o início do conflito na Ucrânia, chegando aos US$ 4,01.

Sem surpresa, portanto, a ação do governo Biden vai no sentido de ampliar a pressão sobre a Rússia em relação à guerra no leste europeu, mas mantendo presente a necessidade de conter a disparada de preço do petróleo, que, essa semana, já alcançou o maior patamar desde 2008.

O governo norte-americano sinalizou anteriormente para a disposição em fazer uso de suas próprias reservas estratégicas de petróleo a fim de contribuir com a contenção do preço do barril. Também já declarou a intenção de aumentar a produção interna. Mas o mais interessante de tudo isso está na disposição do governo Biden em buscar reforços internacionais junto a países tratados, até outro dia, como párias: Venezuela e Irã.

Há conversas iniciadas por altos funcionários da administração democrata com autoridades venezuelanas para reintegrar o petróleo cru dessa origem ao mercado internacional. Isso representaria uma alívio temporário das sanções impostas contra o governo Maduro nos últimos anos e o apoio norte-americano para a dinamização da produção e processamento do petróleo venezuelano em outras partes do mundo.

Algo semelhante é cogitado também em relação ao Irã. Para conter a alta do preço dos combustíveis, há grupos, dentro do governo norte-americano, que consideram a revisão dos embargos que estão em vigor desde a crise envolvendo o acordo nuclear entre as partes. A Venezuela possui a maior reserva de petróleo do mundo; o Irã, a quarta maior.

Vivemos para ver, meus amigos, mais um plot twist da política internacional: o dia em que os Estados Unidos precisarão da ajuda de Venezuela e Irã para viabilizar o boicote de petróleo da Rússia. Isso sem falar na dependência da boa vontade da China para intermediar a situação na Eurásia, tema que merece um outro texto para ser desenvolvido.

Aliás, vale lembrar que Venezuela e Irã são considerados aliados da Rússia e que diante dos possíveis ganhos econômicos em função das concessões norte-americanas, também estariam sendo testados, pelo Ocidente, quanto à sua filiação.

A realpolitik está mais viva do que nunca.