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O que é a "finlandização" da Ucrânia e por que não vai dar certo
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A tentativa de encontrar uma saída diplomática para a crise na Ucrânia ressuscitou, nas últimas semanas, um velho conhecido das Relações Internacionais: trata-se do termo "finlandização".
A expressão, já empregada para outros casos anteriormente, é uma referência ao comportamento da Finlândia em relação à União Soviética durante a Guerra Fria. Pressupõe a convivência entre vizinhos a partir da manutenção da soberania nacional de um Estado, mas de uma atuação internacional de sua parte que não desafie uma potência estabelecida com quem se faz fronteira.
Importantes nomes das Relações Internacionais chegaram a sugerir, em algum momento, um caminho análogo para a Ucrânia. Figuras como Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski defenderam abertamente o "modelo finlandês" como ideal. Ao presidente Macron, da França, atribuem-se falas recentes nessa mesma linha.
Há muitos problemas, no entanto, nesse tipo de abordagem.
Em primeiro lugar, não se pode despersonificar nem remover do contexto os atores envolvidos em um conflito. Também não se deve simplesmente tentar replicar um experimento histórico. A Rússia não é a União Soviética. A Ucrânia não é a Finlândia. Não estamos em 1947 nem vivendo a realidade da Guerra Fria. O mundo deste século é completamente diferente: multipolar, globalizado, de fluxos transnacionais impossíveis de ignorar, de novas dinâmicas e novas formas de engajamento e comunicação entre os atores políticos.
Em segundo lugar, assumir que "finlandizar" significa adotar uma conduta de "neutralidade" na política internacional é, não apenas um erro conceitual crasso, como também implica uma tomada de lado inequívoca. Não existe neutralidade em política internacional. Existem omissões intencionais e autocensura, geralmente vindas pela pressão de atores mais poderosos, especialmente diante da reconhecida incapacidade de um país em fazer frente às ameaças que sofre.
Para os russos, tornar a Ucrânia neutra significa tê-la sob seu controle direto ou indireto, sujeita à sua influência e apartada do Ocidente. Para os norte-americanos e europeus, significa reduzir o potencial de escalada da guerra e acomodar as preocupações dos russos sem a necessidade de ter que se envolver diretamente no conflito. Não deixa de ser uma forma de propor que a Ucrânia resolva sozinha os seus próprios problemas. Percebam: sob nenhuma das óticas estamos falando em "neutralidade", mas em rendição.
Em terceiro lugar, é preciso ter em mente que diversos efeitos colaterais podem ocorrer quando assumimos como possibilidade a "finlandização" da Ucrânia como opção. Se para alguns, o termo remete à uma política pragmática, de coexistência pacífica e balanceamento entre potências, para outros, o termo é considerado pejorativo e ofensivo, pois presume subjugação de um Estado mais fraco à vontade de terceiros, incluindo a restrição de sua autonomia e liberdade decisória.
No caso específico da Finlândia, esse modelo gestou uma série de ressentimentos e anseios por autoafirmação. Se, num primeiro momento, para não desagradar aos soviéticos, o país deixou de participar do Plano Marshall e se manteve distante da Otan, tão logo foi possível, com a queda da URSS em 1991, buscou alinhamento com o Ocidente. Entrou para a União Europeia em 1995 e tornou-se parceira, embora não membro, da aliança militar.
Não foi, portanto, garantia de qualquer estabilidade para a Rússia. Além disso, durante o período de "neutralidade" houve controle da mídia e implementação de políticas autoritárias que visavam abafar críticas que incomodassem os soviéticos. Ao tolher liberdades importantes, a "finlandização" reprimiu grupos, recompensou elites oportunistas e desestabilizou a organização democrática do Estado.
Em um país como a Ucrânia —grande, diverso, polarizado e demograficamente complexo— a busca por uma falsa "neutralidade" não apenas não vai resolver o conflito, como também vai arrastá-lo por mais tempo, enquanto transforma o país em uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer momento.
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