Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Seis questões em aberto que marcam os seis meses da guerra na Ucrânia
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Neste 24 de agosto, a Guerra da Ucrânia completa seis meses. O dia é particularmente simbólico, não só porque suscita uma série de reflexões e balanços sobre o conflito até então, mas porque coincide com a data em que é celebrada a independência da Ucrânia em relação às forças soviéticas.
A efeméride também acontece em um momento de elevação de tensões na região, com riscos concretos de escalada, especialmente após o atentado que matou a filha do ideólogo russo Alexander Dugin, na semana passada, e em face das disputas intensificadas na Crimeia e dos alertas para o risco de um desastre nuclear em Zaporizhzhia, a maior central da Europa.
Apesar disso, há pouca novidade sobre a guerra do ponto de vista substantivo. Uma série de avanços táticos e movimentos de campo evidentemente aconteceram e foram bem documentados por quem acompanha a linha de frente das batalhas ao longo dos últimos meses.
Apesar disso, as grandes questões de fundo, tidas como profundas e estratégicas, com efeitos de longo prazo, parecem ainda ser as mesmas. Aqui, sumarizamos os principais dilemas trazidos à tona com esse conflito, do ponto de vista sistêmico, em seis questões que permanecem sem resposta:
1. É possível apostar na longevidade da aliança Ocidental? O histórico recente do relacionamento entre Estados Unidos e Europa é marcado por inconstância, o que faz da parceria transatlântica fonte de relativa instabilidade. Além disso, o G7 enfrenta considerável fragmentação em um contexto que, como sabemos, as prioridades mudam, nos países, de acordo com quem está no poder, especialmente em tempos de populismo, nacionalismo e protecionismo.
2. Quais os efeitos futuros de uma "guerra por procuração" na Ucrânia? A antagonização de interesses norte-americanos e russos em território ucraniano pode esbarrar, como também já discutimos em uma coluna, em desafios táticos, logísticos e de controle. Pode culminar em uma escalada por erro de cálculo ou falha de comunicação e, certamente tem dificultado o avanço dos trabalhos da diplomacia, na medida em que os esforços de conciliação ficam travados pela permanente falta de confiança entre as partes em relação aos interesses e ao envolvimento de atores extrarregionais naquele conflito em particular.
3. Quais os impactos de longo prazo das sanções contra a Rússia? Além das implicações mais óbvias ligadas ao aumento da escassez de recursos, pressão inflacionária e desabastecimento das cadeias globais de produção, é possível que o isolamento russo alimente ressentimentos políticos cujos efeitos ainda são desconhecidos.
4. Como lidar com a resistência do Sul global em condenar a Rússia? Não está claro em que medida o conflito no leste europeu estimulará movimentos coordenados, entre os países em desenvolvimento, no sentido de contestar da ordem internacional vigente e provocar nela determinados ajustes. Tampouco está claro como potências com intenções reformistas, revisionistas ou mesmo revolucionárias se articularão para mobilizar o apoio desses players.
5. Quais os limites da aliança sino-russa? É preciso acompanhar de perto se a parceria entre China e Rússia tem meios para consolidar um casamento com compromissos de longo prazo ou se estamos diante, apenas, de uma aproximação pragmática de momento.
6. Quais os riscos, para os Estados Unidos, em praticar uma política externa que insiste no enquadramento "democracia versus autocracia"? O declínio relativo de capacidades materiais dos norte-americanos têm esbarrado, cada vez mais, em contradições incômodas que são criadas em função de dividir o mundo entre quem compartilha de seus mesmos valores e quem não. No século XXI, insistir em uma inserção internacional de tipo "cruzadista missionária" parece que poderá trazer mais custos do que benefícios aos Estados Unidos.
Ao propor uma análise dos primeiros 50 dias do conflito, evocamos, nesta mesma coluna, o conceito de "guerras inconclusivas", de Mary Kaldor. Na ocasião, classificamos a crise no leste europeu como um conflito que tendia a ser, nos termos da autora: longo, duradouro e "sem fim". Alguns meses depois, essa avaliação ainda parece fazer sentido.
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