Fernanda Magnotta

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Opinião

O ativismo via Brics: muita espuma e pouco chope

Hoje, durante a Cúpula do Brics, que ocorre em Joanesburgo, na África do Sul, o presidente Cyril Ramaphosa anunciou formalmente a expansão mais significativa do bloco desde a sua concepção. Segundo ele, Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia receberam convites para se juntarem ao grupo. A partir de janeiro de 2024, portanto, o arranjo poderá incluir 11 membros no total, e não mais apenas 5.

A decisão ocorre no contexto de busca por maior protagonismo dos países do mundo emergente e da tentativa de moldarem a agenda internacional de acordo com os seus interesses, especialmente diante do cenário de transição hegemônica. Esse passo, no entanto, gera inúmeros incômodos que merecem reflexão.

Ninguém discorda do mérito das demandas que chegam via Brics. É plausível reconhecer que as estruturas de governança global devem se adaptar e sofrer as atualizações compatíveis com as transformações de poder. Também é razoável presumir que países importantes em diversos quesitos, de econômicos a geopolíticos, desejem ter suas vozes amplificadas em debates internacionais de caráter estratégico. O problema, portanto, não está no conceito do que o Brics representam per se ou naquilo que desejam, mas no ativismo megalomaníaco e de ambições difusas que parece ter tomado conta dele.

O acrônimo, ainda sem o "S", surgiu a partir de uma proposta do economista Jim O'Neill, do banco de investimentos Goldman Sachs, em 2001, com o objetivo de destacar o potencial econômico de alguns países em desenvolvimento. O grupo formalizou-se apenas alguns anos depois, em 2009, adicionando a África do Sul, e desde então passou a organizar cúpulas regulares para promover a cooperação entre eles. O maior passo rumo à institucionalização que o bloco atingiu foi a criação do chamado "Novo Banco de Desenvolvimento (NBD)", uma instituição financeira multilateral estabelecida em 2014 com o intuito de financiar projetos em países em desenvolvimento e emergentes.

Se, por um lado, os Brics parecem ligados pelo interesse em reformar as instituições internacionais e acelerar a emergência de um mundo multipolar, por outro, ao analisá-los, é impossível que ignoremos o fato de que carecem de coesão mínima entre eles. Não é absurdo que os Brics desejem reduzir a dependência do dólar norte-americano em suas transações, por exemplo, ou que se articulem para pressionar por uma nova configuração de tomada de decisão nas organizações globais.

No entanto, é pueril acreditar que "multilateralismo" e "multipolaridade" têm o mesmo significado para todos os membros do Brics. Há assimetrias inescapáveis, e projetos de poder de caráter oligárquico que criam hierarquias tácitas. O bloco, que mal tem estrutura formal e derrapa na convergência em matérias fundamentais, parece, de novo, uma ideia abstrata que tentam forjar enquanto projeto político para uso instrumental daqueles que estão no poder em cada um dos países quando é conveniente.

Se já era difícil até mesmo classificar o que são os Brics antes, o que dizer agora, depois dessa decisão de expansão? Fomos habituados a utilizar palavras como "bloco" ou "grupo" porque são as mais abrangentes possíveis, afinal não há nada que possa justificar o seu enquadramento como uma "aliança" ou uma "organização". O que dizer agora?

Estariam os membros originários dos Brics dispostos a assumir os custos de serem tidos como líderes de um "clube de contestadores da ordem"? O que ganham e o que perdem posando em fotos de futuras cúpulas ao lado de lideranças que não respeitam as regras do jogo e convenientemente se acoplam para ganhar legitimidade? Seria esse um bloco focado na pluralidade de vozes na política internacional, como parecia o caso, ou estaria se convertendo, pouso a pouco, em um simples projeto "anti-Ocidente"?

A quem interessa esse modelo e por que embarcar nessa disputa? Estaria o Brasil a frente de um plano que ajudará a emancipar atores historicamente marginalizados ou estaríamos, nós, servindo como "peões de xadrez" para a consecução dos objetivos de novos atores ambiciosos e com vocação de dominação sob sua égide?

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São dúvidas genuínas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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