Fernanda Magnotta

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Opinião

Golpes na África aquecem debate sobre dominação francesa e futuro do poder

Acompanhamos, recentemente, uma série de crises eclodindo no continente africano. Primeiro, houve tomada de poder no Níger e, agora, isso também aconteceu no Gabão. Ademais, nos últimos anos foram registrados golpes em Burkina Faso, no Mali e na Guiné, sem contar a crise de sucessão no Chade.

Sabemos que esse movimento tem a ver com inúmeras crises internas pelas quais os países passam, incluindo dificuldades econômicas e o descontentamento com as elites políticas estabelecidas e com as "regras do jogo" impostas por elas durante décadas. Mas, ao mesmo tempo, seria leviano deixar de tributar esse saldo também a fatores que vêm de fora.

Há algo mais acontecendo nesse continente que merece atenção: no contexto de um mundo em transformação, estamos diante de uma nova onda de contestação da dominação europeia, sobretudo francesa, que sempre mereceu atenção, ao mesmo tempo em que tem lugar um progressivo aumento de novas forças geopolíticas na região.

Embora a França tenha formalmente reconhecido a independência de suas ex-colônias nos anos 1960, alguns laços concretos jamais se desfizeram. Para além dos ressentimentos históricos, portanto, há pelo menos 3 formas diretamente ligadas aos europeus que, ainda neste século, alimentam a polarização e as disputas de poder no continente africano:

1) Moeda comum: muitas antigas colônias africanas da França usam a moeda CFA (franco CFA), vinculada ao euro e administrada pelo Banco Central da África Ocidental (BCEAO) e pelo Banco dos Estados da África Central (BEAC) há décadas. Mais recentemente houve o debate sobre a sua substituição por uma nova unidade monetária chamada "Eco", cuja implementação foi adiada pela pandemia de covid-19. De todo modo, esse tipo de padrão significa que os países africanos não tiveram controle direto sobre sua política monetária durante anos, o que tem limitado sua capacidade de gerenciar suas economias de forma independente.

2) Acordos de defesa: A França mantém acordos de defesa com várias nações africanas, levando a presença militar significativa em algumas áreas.

3) Exploração de recursos: A exploração de recursos naturais na África por empresas francesas tem sido criticada por beneficiar mais a França do que os países africanos, o que levanta questões sobre a equidade na divisão de recursos e lucros.

Esses são mecanismos que fizeram, de forma estrutural, com que a França desempenhasse um papel importante na política interna de alguns países africanos por anos, apoiando regimes que serviam aos seus interesses. Nesse momento, parece haver cada vez menos margem de tolerância de diversas camadas da população desses países para acomodar convenções desse tipo. É importante lembrar que a França apoiava os governos depostos, alguns deles há muitos anos no poder.

Ao mesmo tempo, a transição de poder global também faz sentir seu peso nessa parte do mundo e logo deve começar a surtir efeitos: se temos cada vez menos Paris, não se pode negar a ampliação da presença de Moscou e Pequim. Isso precisa ser levado em consideração para compreender a complexidade do que acontece por lá agora e no futuro.

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Precisamos falar mais sobre a África.

Para quem quer se atualizar, recomendo começar pelo Observatório do Continente Africano (OCA).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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