Fernanda Magnotta

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Opinião

A crise do G20: da cooperação financeira à disfuncionalidade política

Termina, hoje, em Nova Deli, na Índia, mais um encontro do G20. Depois de muita incerteza e alguns boicotes, os líderes das maiores economias do mundo devem aprovar a publicação de um comunicado final no qual endereçam as principais preocupações do mundo contemporâneo, incluindo, com muitos dedos, a Guerra da Ucrânia. Apesar disso, o texto, como já se podia esperar, será vago e pouco propositivo, reflexo dos tempos complexos em que vivemos.

A palavra de ordem para as deliberações no âmbito do G20 é "consenso". Isso implica que todas as partes envolvidas concordem com uma determinada ideia, proposta, ação ou decisão, e que não haja objeções significativas ou discordância substancial em relação ao conteúdo dos documentos produzidos.

Isso foi estabelecido, nas origens de criação do grupo, por representar uma forma de alcançar entendimento mútuo e uma base equilibrada para a cooperação e ação conjunta. No entanto, para contornar peculiaridades de um bloco tão heterogêneo, pouco a pouco, os comunicados oficiais têm se tornado cada vez mais genéricos e repletos de lugares comuns. Na verdade, as transformações do próprio G20 ao longo dos anos parece empurrá-lo cada vez mais para a disfuncionalidade.

Criado no fim dos anos 1990, o G20, originalmente chamado de "G20 financeiro", tinha como objetivo principal lidar com questões relacionadas à estabilidade econômica global e promover a cooperação em relação a esse tema. O arranjo era visto como resposta concreta a uma série de crises globais daquele momento, incluindo a crise financeira asiática em 1997-1998 e posteriormente a crise de 2008, quando as ações unilaterais de países individuais não eram suficientes para lidar com os desafios existentes e havia uma necessidade de uma abordagem coordenada.

Ao longo do tempo, no entanto, o G20 expandiu seu mandato para incluir uma ampla gama de temas. Para além de questões meramente financeiras, passou a endereçar posições sobre praticamente todos os pontos sensíveis da agenda internacional, incluindo questões de segurança e humanitárias, sob a interpretação de que não é possível dissociar a realidade política de seus efeitos econômicos.

O problema é que, se, por um lado, as chamadas "coalizões de geometria variável", como é o caso do G20, têm em sua origem justamente a capacidade de se adaptarem às mudanças na dinâmica global, por outro, podem, com isso, ser levadas à mesma paralisia das outras instâncias de governança global que originalmente levaram à sua própria necessidade de criação.

Durante anos, a eficácia do G20 esteve ligada a consecução de objetivos específicos, uma vez que países com recursos e interesses comuns podiam se alinhar diretamente em relação a pautas importantes, mas menos delicadas. O bloco era visto como espaço de maior inclusão e flexibilidade em relação às tradicionais organizações internacionais, em que alianças temporárias permitiam propor saídas urgentes ligadas à estabilidade econômica.

Nos deparamos, agora, no entanto, com os efeitos colaterais desse modelo. A natureza variável desse tipo de coalizão pode resultar, como temos acompanhado, em falta de coesão e confiança entre os membros, pois, diante de uma pauta cada vez mais diversificada, os interesses oscilam mais rapidamente, tornando difícil a construção de relacionamentos estáveis e duradouros. Como consequência, a gestão de coalizões como o G20 vai se tornando cada vez mais complexa, com inúmeros desafios de coordenar políticas e interesses em um cenário em que se torna difícil prever o comportamento dos atores envolvidos.

Estaria a criatura voltando-se contra os seus criadores?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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