Fernanda Magnotta

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Opinião

Guerra entre Israel e Hamas é mais um palco para rivalidade EUA-China

Todos sabemos que o conflito em curso entre Israel e Hamas é multifatorial e repleto de nuances. Para além de escancarar uma série de variáveis internas, ele alimenta movimentos estratégicos que ocorrem em uma complexa teia geopolítica. O Oriente Médio é um novo espaço de disputa, em mais um capítulo na competição hegemônica entre Estados Unidos e China.

A aliança entre norte-americanos e israelenses é conhecida e bem documentada, bem como as diversas incursões militares empreendidas pelos Estados Unidos na região ao longo das últimas décadas. Já o envolvimento chinês tem sido marcado pela tentativa de equilibrar-se entre Israel e o mundo árabe, calculando os acenos em cada direção.

Ao mesmo tempo em que historicamente a China respaldou os esforços de emancipação palestina, inclusive prestando assistência na formação de grupos militantes da causa, também fortaleceu relações diplomáticas e econômicas com Israel, principalmente a partir dos anos 1990. Desde então, o governo chinês não apenas passou a promover ativamente a solução que preconiza a criação de dois Estados, como vem oferecendo-se para mediar o conflito.

Desde a eclosão de mais recente crise, o Ministério das Relações Exteriores da China, assim como Xi Jinping, emitiu declarações genéricas, enfatizando a necessidade de ambas as partes cessarem as hostilidades para evitar baixas civis, embora sem qualificar explicitamente o grupo Hamas.

Já a mídia estatal chinesa não apenas tem direcionado a cobertura prioritariamente aos bombardeios em Gaza - reconhecendo a violência de ambos os lados -, como tem sido enfática em atribuir a escalada do conflito na região à intervenção política dos Estados Unidos no Oriente Médio, conforme amplamente reportado pela cobertura internacional.

Diante disso, diversas autoridades israelenses e atores ocidentais tem criticado a posição chinesa. Há quem considere-a excessivamente tímida e há quem veja nela certo viés. O quadro, porém, é mais complexo do que isso.

Sabemos que a China costuma ser cautelosa sobre comentar questões envolvendo problemas internos de outros países, pois certas críticas podem gerar precedentes contra ela mesma, sobretudo no campo dos direitos humanos. Trata-se de uma característica da inserção internacional do país by default. Ainda assim, nesse momento em particular, também não é somente isso que está em jogo.

Sob a ótica chinesa, colocar no cerne do debate o papel desempenhado pelos Estados Unidos na região, e evitar críticas diretas ao Hamas tem a ver com uma série de objetivos e considerações estratégicas de mais longo prazo.

Em primeiro lugar, tem a ver com interesses econômicos: a China mantém relações crescentes com vários países do Oriente Médio, incluindo Israel e, nesse sentido, posicionar-se pela "equidade" ou "neutralidade" diante dos principais envolvidos na guerra é uma tentativa de não alienar nenhum parceiro importante, sobretudo em um cenário incerto e instável.

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Em segundo lugar, a China tem buscado expandir sua influência entre os países árabes e, portanto, opta por ser cautelosa em criticar o Hamas, pois o grupo é visto por algumas lideranças da região como um ator legítimo na questão palestina. Aqui entra, também, o peso que existe na relação Irã-China e que não pode ser ignorada por Pequim no cálculo de riscos e potenciais danos colaterais. Os dois países mantêm importantes parcerias no campo de investimentos e no setor militar. Além disso, a China é um dos maiores importadores de petróleo bruto do Irã, enquanto o Irã é um ativo importante para os chineses no contraponto aos Estados Unidos nessa parte do mundo.

Em terceiro lugar, tem a ver com as ambições chinesas em atuar como fiador da estabilidade regional e alternativa ao modelo norte-americano de fazer política internacional. Depois de promover a surpreendente reconciliação entre Irã e a Arábia Saudita e de se apresentar como possível intermediador na guerra entre Rússia e Ucrânia, a China tem interesse em mediar também conflito entre Israel e os palestinos. A expectativa é que autoridades chinesas se articulem com suas contrapartes egípcias para viabilizar esse processo nas próximas semanas. Logo, para manter sua posição como um mediador confiável, Pequim precisa ser visto com um interlocutor capaz de acessar e manter diálogo com os dois lados, o que significa não agradar completamente nenhum deles para, assim, não desagradar ao outro.

Em geopolítica é muito importante afastar as paixões para perceber certos movimentos. Gostando ou não, o da China, nesse caso, é um que não deveria ser perdido de vista.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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