Fernanda Magnotta

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Opinião

Precisamos travar uma guerra coletiva contra a desumanização

Há incontáveis diferenças entre os diversos conflitos ativos no mundo atual. Tipos de atores envolvidos, circunstâncias de origem, natureza e interesses em jogo, meios de coerção e de barganha, por exemplo, variam em cada caso, do enfrentamento entre Armênia e Azerbaijão em Nagorno-Karabakh à guerra no Iêmen, da luta entre Rússia e Ucrânia, no leste europeu, ao conflito entre Israel e Hamas, na Faixa de Gaza.

O que todas elas têm em comum, no entanto, é que há, no discurso e na ação de várias das lideranças envolvidas, um recurso perigoso de manipulação política e ideológica sendo intensivamente empregado: a desumanização do outro.

O conceito de "desumanização" é um tema importante na psicologia social e descreve o processo pelo qual indivíduos ou grupos são privados de suas características humanas e são tratados como objetos ou animais.

Isso acontece quando, ao julgar terceiros a partir de nossos próprios padrões e referências, contribuímos ativamente para a sua invisibilização/apagamento, ou para sua destruição efetiva enquanto seres de direitos.

A desumanização pode ser percebida, claro, em comportamentos que revelam indiferença à dor alheia, mas é mais do que isso. Tem a ver com desqualificar a história, a cultura ou a identidade do grupo visto como adversário. Tem a ver com tentativas de impor superioridade moral e, assim, justificar a subordinação de outros. Tem a ver com negar o direto à existência digna para certos grupos e submetê-los a agressões constantes.

A desumanização começa e se realiza, antes de tudo, pelo discurso, descrevendo quem é visto como "alvo" enquanto perigoso e violento, buscando atribuir a ele características bestiais e dignas de medo. Avança para a deslegitimação de sua forma de pensar e sentir o mundo, tolhendo a razão de existir desses indivíduos.

A linguagem depreciativa é apenas o primeiro passo para a justificação de ações de exclusão social, que tendem a avançar para o tratamento desigual perante a Justiça e até mesmo para ações violentas e atos de crueldade extrema, sobretudo em contextos de guerra.

O processo de desumanização, portanto, desemboca em segregação, marginalização e privação de liberdades fundamentais. Alimenta preconceitos e estereótipos negativos sobre grupos específicos, podendo perpetuar a discriminação e dificultar a convivência entre desiguais.

Trata-se de uma prática que tende a inflamar tensões e levar a conflitos mais graves, inclusive genocídios. A desumanização mina a coesão social e a construção de consensos. Ao contrário, é uma ferramenta poderosa manutenção de tensões, justificando a desigualdade, legitimando a hostilidade e incentivando a permanente desconfiança.

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Ao olhar para um mundo em conflito, deveríamos nos perguntar com maior frequência: a quem interessa a polarização e o ressentimento? Não estaríamos, nós, em muitos casos, sendo "massa de manobra" para vozes que manipulam rumo à "arquitetura da destruição"?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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