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Bachelet denuncia retrocesso no Brasil; governo insinua motivação política

6.mar.2019 - Chefe de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet - Denis Balibouse/Reuters
6.mar.2019 - Chefe de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet Imagem: Denis Balibouse/Reuters

Colunista do UOL

27/02/2020 06h27

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A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, denunciou a situação de violações de direitos humanos no Brasil. Em seu discurso anual sobre a situação global, a ex-presidente do Chile incluiu o país entre os cerca de 30 locais no mundo onde existem sérias preocupações. A resposta do governo de Jair Bolsonaro não demorou para aparecer, classificando as críticas de "lamentáveis" e insinuando a existência de um componente político no questionamento de Bachelet.

"No Brasil, ataques contra defensores dos direitos humanos, incluindo assassinatos - muitos deles dirigidos a líderes indígenas - estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos das políticas de proteção ao meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas", alertou Bachelet. "Também estão aumentando as tomadas de terras indígenas e afrodescendentes", disse.

Outro temor da representante da ONU se refere ao trabalho dos movimentos sociais e dos ataques sofridos por ongs. Segundo ela, também estão aumentando os "esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e do movimento social".

No ano passado, ela já havia alertado sobre o encolhimento do espaço cívico no Brasil, o que gerou duras reações por parte do governo brasileiro.

Seu discurso nesta quinta-feira não foi acompanhado pela embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. Além do Brasil, a chilena citou preocupações sobre a situação dos direitos humanos na Bolívia, Chile e Equador, além de um informe especial sobre os crimes e violações cometidos na Venezuela. A inclusão de um país nessa lista é um termômetro da situação internacional que vive aquele governo.

Bachelet, no início da semana, já havia alertado a ministra Damares Alves (Família, Mulher e Direitos Humanos) sobre sua preocupação.

A reunião entre as duas representantes ocorreu em Genebra, a portas fechadas. A coluna apurou que Damares apresentou uma lista de programas e projetos existentes no Brasil, indicando os supostos avanços no setor dos direitos humanos.

A situação dos indígenas brasileiros já foi alvo de cartas enviadas por relatores da ONU ao governo brasileiro. Nas próximas semanas, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ainda receberá Davi Kopenawa, líder Yanomami que falará sobre as violações de direitos humanos sofridos pelos povos tradicionais.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo em 2019 foi o maior em pelo menos 11 anos. Foram 7 mortes em 2019, contra 2 mortes em 2018.

No encontro entre Bachelet e Damares, a crise aberta pelo presidente Jair Bolsonaro não foi mencionada. No ano passado, Bachelet havia criticado a violência policial ao responder uma pergunta da reportagem do UOL. Em resposta, Bolsonaro fez uma apologia ao general Augusto Pinochet, cujo regime matou o pai de Bachelet e a colocou em prisão e a torturou.

A coluna perguntou para a ministra como havia sido a reunião. Ela apenas respondeu: "espetacular". Quem esteve na sala confirmou que não houve um pedido de desculpas pelas ofensas do presidente contra a alta comissária.

"Lamentável"

Horas depois, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, retornou para o local de reuniões e fez um discurso duro contra Bachelet. Segundo ela, é "lamentável" a chilena tem sido aconselhada de forma errada e insinuou que parte da crítica tinha motivação política.

Uma análise da situação, segundo ela, não estaria sendo feita com bases em dados e evidências atualizados. "Propomos uma conversa com base em fatos", disse. Ela ainda sugeriu que deva haver um fim para um embate entre "narrativas politicamente motivadas".

Ela ainda se recusou a aceitar as denúncias de Bachelet. "Não há recuou para proteger o meio ambiente, muito menos na proteção dos direitos indígenas", declarou. "Pelo contrário", disse a embaixadora, lembrando que Bolsonaro criou o Conselho da Amazônia.

Segundo ele, a demarcação de terras indígenas é uma realidade e a proteção é conduzida de forma séria.

A embaixadora garante que o programa de proteção para ativistas foi ampliado para incluir jornalistas e ambientalistas. Ela, porém, não citou as ofensas sexuais do Brasil contra a jornalista Patrícia Campos Mello. A diplomata insistiu que "todos os atos de violência" estão sendo investigados.

Quanto à sociedade civil, a embaixadora também recusou o argumento de Bachelet, indicando que o Brasil conta com grupos independentes. "Discordar não quer dizer que deslegitimar seu trabalho", afirmou.

"Existe um amplo espaço cívico no Brasil", completou, lembrando que 900 entidades apoiaram a candidatura do governo para o Conselho da ONU. Muitas eram organizações religiosas e a lista contava até mesmo com imobiliários no México.