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Jamil Chade

Responsável pela luta contra corrupção, procurador-geral da Suíça é punido

Colunista do UOL

04/03/2020 10h52

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Michael Lauber, procurador-geral da Suíça e responsável pela luta contra a corrupção, é alvo de sanções disciplinares. As medidas foram tomadas por conta de sua atuação nas investigações sobre o escândalo de corrupção na Fifa.

Lauber manteve reuniões secretas com o presidente da FIFA, Gianni Infantino, e jamais registrou os encontros. Foi o mesmo procurador quem liderou a cooperação internacional com o Brasil no âmbito da Lava Jato. Nesse aspecto, não existem processos contra ele.

Uma investigação foi aberta diante das revelações relativas ao processo contra a Fifa. O resultado do inquérito contra o procurador aponta para falhas "muito severas" por parte de Lauber. Entre os erros que cometeu, o suíço não disse a verdade sobre os encontros, violou o código de conduta e tentou até mesmo obstruir um processo que existia contra ele.

Essas foram as conclusões da autoridade de supervisão do MP que, como punição, decidiu cortar seu salário em 8% durante os próximos doze meses. A punição esteve próxima ao máximo autorizado, de corte de salário de 10%.

Mesmo diante de suas falhas, a juíza federal Alexia Heine apontou que não encontrou qualquer sinal de que ele tenha se beneficiado financeiramente ou por meio de outros favores.

O procurador só pode ser demitido pelo Legislativo da Suíça, o mesmo órgão que o reelegeu para o cargo, há poucos meses. Ainda que haja espaço para um recurso, Lauber fica em uma posição de fragilidade.

O caso foi iniciado em maio de 2019. Agora, o resultado do processo revela que Lauber "não disse às autoridades de supervisão, ao parlamento e ao público a verdade sobre o seu encontro com o presidente da FIFA em 16 de junho de 2017". "Está provado que este encontro teve lugar", declarou a juíza.

Os encontros ocorreram enquanto Lauber realizada a investigação justamente contra a Fifa. Nenhuma das reuniões foi alvo de protocolos ou registradas.

Michael Lauber ainda teria desacreditado publicamente a sua autoridade de supervisão. "Ele obstruiu a investigação influenciando pessoal e diretamente o tratamento dos pedidos de informação e a produção de documentos" dentro do Ministério Público Federal.

Lava Jato

Se o caso envolve apenas a investigação sobre a Fifa, Lauber também passou a ser questionado por advogados de defesa na Suíça no âmbito da Lava Jato, ainda que nenhuma acusação formal exista contra ele nesse dossiê.

Desde 2014, ele lidera os trabalhos na coleta de milhões de páginas de documentos que permitiram a condenação de diversos agentes públicos e empresários brasileiros. Seu trabalho sobre Eduardo Cunha, por exemplo, teria garantido um processo rápido no Brasil.

Para especialistas e mesmo para procuradores brasileiros, sem o trabalho de cooperação de Lauber, a Lava Jato jamais teria chegado a alguns dos principais nomes do esquema de corrupção no Brasil.

Também foi de seu escritório que mais de 60 processos foram abertos sobre o esquema envolvendo a Odebrecht e ex-diretores da Petrobras. No total, US$ 1,1 bilhão foi congelado. Apenas uma parcela do dinheiro retornou ao Brasil, depois de seis anos de processo. O restante aguarda a punição definitiva dos envolvidos.

Sua colaboração com o Brasil ainda foi mencionada como exemplar, transformando a relação entre o MP dos dois países.

O UOL ainda revelou em 2019, a partir de mensagens telefônicas entre procuradores, que a Operação Lava Jato em Curitiba obteve acesso clandestino ao sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos.

Por meio de autoridades suíças, eles obtiveram informações sigilosas da contabilidade paralela da empreiteira quase um ano antes de terem acesso formal aos dados por meio de acordos de delação premiada dos executivos da construtora.

Especialistas ouvidos pelo UOL disseram que informações obtidas por fora do canal oficial estabelecido em acordos de cooperação internacional de investigação constituem provas ilegais, podendo levar a anulação de processos. Procurada, a Lava Jato não comentou o acesso clandestino ao Drousys através de autoridades suíças, mas negou ter violado as regras e sustenta que a troca de informações de inteligência é comum e salutar durante as investigações.