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Jamil Chade

Pandemia ameaça criar "nova legião de pobres", alertam instituições

Pandemia pode jogar milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza - Sippanont Samchai/AzMina
Pandemia pode jogar milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza Imagem: Sippanont Samchai/AzMina

Colunista do UOL

23/03/2020 04h00

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Entidades internacionais temem que a pandemia do coronavírus gere uma "nova legião de pobres" no mundo, aprofundando a desigualdade e abalando os esforços para promover o desenvolvimento.

Nesta semana, a ONU, Unicef e OMS vão se unir para lançar um plano humanitária para lidar com a crise, equivalente ao que ocorre quando um país ou região se depara com uma guerra ou um desastre natural. A perspectiva é de que centenas de milhões de dólares serão necessários para dar uma resposta à crise, diante da paralisia de países inteiros e o colapso em cadeias produtivas.

Algumas estimativas apontam que o abalo para a economia mundial pode chegar a US$ 2 trilhões, o que seria traduzido em um aprofundamento da pobreza. Para a ONU, a crise global de saúde é a maior em 75 anos e pode gerar uma recessão de proporções inéditas.

Os números que a entidade usa para fazer sua projeção apontam que a paralisia da economia mundial deve custar caro, principalmente aos trabalhadores. O número de desempregados pode aumentar em 25 milhões, numa crise mais aguda que aquela gerada com a recessão de 2008 e 2009.

Mas o desemprego não conta toda a história. A perspectiva é de que a renda dos trabalhadores deve sofrer um abalo de US$ 3,4 trilhões, algo inédito.

O número de pessoas vivendo na miséria, ainda que trabalhando, poderia ainda ser um salto de mais de 20 milhões.

Um dos temores é de que, uma vez passada a crise sanitária, empresas fortemente abaladas decidam se manter vivas demitindo milhões de pessoas. Para que isso não ocorra, as entidades estimam que governos terão de agir para garantir créditos e ampliar suas redes de proteção social. O Banco Mundial também estabeleceu uma linha de crédito com US$ 12 bilhões, destinados aos pequenos empresários.

Mas uma parcela importante das entidades internacionais está preocupada com o impacto que tal pandemia teria se chegasse em regiões já assoladas por conflitos armados e outras crises, inclusive ambientais. No total, a ONU estima que 100 milhões de pessoas poderiam estar vulneráveis nessas regiões.

"Muitos vivem em condições apertadas e com acesso limitado ou nenhum acesso a saneamento adequado ou a serviços básicos de saúde. À medida que o vírus chega a estes lugares, as consequências podem ser devastadoras", alertam os documentos do Escritório da ONU para Coordenação Humanitária. Para a entidade, a chegada do vírus a esses locais poderia ter um "impacto catastrófico".

"Os países podem não ter a infra-estrutura necessária para lidar com um impacto em larga escala da pandemia", indica. "A carga adicional da COVID-19 também pode significar que outros surtos atuais, como cólera, sarampo ou febre amarela, recebam menos atenção", completa.

Em diversas zonas do mundo, cenários já apontam para governos endividados depois da pandemia e, portanto, incapazes de cumprir suas promessas de financiar a ajuda aos refugiados. Resultado: um aprofundamento da miséria - e de doenças - entre essa população.

Fome

Outro temor é de que a pandemia aprofunde a crise alimentar. Com mais de 850 milhões de jovens fora das escolas por conta do coronavírus, a estimativa é de que milhões delas podem se deparar com uma situação de desnutrição.

Para 300 milhões de crianças, a escola representa o único local de garantia de uma alimentação no dia. Sem as aulas, pais terão de dividir o pouco que tem com os menores, aprofundando a crise.

Para o International Food Policy Research Institute (IFPRI), a possibilidade de um salto na pobreza não é apenas teórico. A entidade estima que uma redução de apenas um ponto percentual na taxa de crescimento do PIB do planeta levaria a um aumento de 2% no número de pessoas sob o risco de desnutrição. Ou seja, um aumento de 14 milhões.

Não são apenas os países em desenvolvimento que podem registrar um salto na pobreza. Dados oficiais do Departamento de Agricultura dos EUA apontam que um a cada nove americanos vive numa situação delicada no que se refere à fome.


Renda mínima

A quarentena imposta sobre milhões de pessoas, principalmente na Europa, ainda afeta mais profundamente outro grupo: o dos imigrantes. Com muitos deles em empregos informais, as estimativas apontam que seriam os primeiros a serem demitidos.

Muitos deles ainda são espécies de garantias financeiras de suas famílias, em seus países de origem. A ONU pede que governos retirem todas as taxas para o envio de remessas. Mas o desemprego ameaça secar essa fonte de renda.

Enquanto governos buscam alternativas, vozes dentro da ONU sugerem que chegou o momento de aplicar programas como a renda básica universal, algo usado apenas pontualmente.

"A melhor resposta a uma potencial catástrofe econômica e social provocada pela crise da COVID-19 é colocar as finanças a serviço dos direitos humanos e apoiar os menos favorecidos por meio de abordagens financeiras ousadas", disse Juan Pablo Bohoslavsky, relator independente da ONU sobre os efeitos da dívida externa nos direitos humanos.
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"Estímulos fiscais e pacotes de proteção social direcionados aos menos capazes de lidar com a crise são essenciais para mitigar as consequências devastadoras da pandemia", disse. "Peço aos governos que considerem a introdução de uma renda básica universal de emergência", afirmou, em carta enviada aos governos.

Um dos apelos é ainda para que regras de limitações de gastos públicos sejam abolidas. "Não podemos esquecer que essa é essencialmente uma crise humana", disse Antonio Guterres, secretário-geral da ONU. "A recuperação não pode ocorrer em detrimento dos mais pobres. E não podemos criar uma legião de novos pobres", completou.