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Jamil Chade

Sob regime do medo, diplomatas aplaudem em silêncio críticas contra Araújo

06.mai.2019 - O presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em viagem a Buenos Aires - Marcos Corrêa/Presidência da República
06.mai.2019 - O presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em viagem a Buenos Aires Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Colunista do UOL

08/05/2020 10h51Atualizada em 08/05/2020 19h39

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Nas sofisticadas embaixadas do Brasil pelo mundo ou nos corredores do Itamaraty em Brasília, a sexta-feira começou de alma lavada para centenas de diplomatas.

O motivo: a publicação de um artigo assinado por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer , Francisco Rezek , José Serra , Rubens Ricupero e Hussein Kalout. Apesar de vertentes diferentes, todos eles denunciam de forma conjunta as violações à Constituição perpetradas pela gestão de Ernesto Araújo.

A carta que reúne os ex-chanceleres contra o atual ministro é inédita num organismo tradicionalmente tomado pela hierarquia e, claro, a diplomacia.

A publicação da análise e ataque foi recebida com uma mistura de alívio e aplausos. Alívio por explicitar o que muitos, dentro da instituição, pensam. Aplausos por escancarar as violações que se cometem.

Uma das esperanças é de que a carta deixe Araújo ainda mais vulnerável, num ambiente no qual ele sofre para conquistar o respeito até mesmo de seus subalternos.

Por grupos de Whatsapp e outros meios de comunicação, o texto dos ex-ministros circulou em alta velocidade desde as primeiras horas da manhã. Mas temerosos em relação a uma eventual punição, muitos deles pediam anonimato até mesmo sobre o fato de estar passando adiante o texto.

Araújo, desde seus primeiros atos, criou uma legião de desafetos nas bases de seu corpo diplomáticos. As críticas de parte importante do Itamaraty contra o chefe ocorrem de maneira discreta. Mas são contundentes. Alguns chegaram a evitar colocar na parede de seus escritórios a foto do presidente. Em pelo menos um local, o retrato estava num corredor, próximo ao banheiro.

Entre os mais velhos no serviço diplomático, a queixa é o desrespeito em relação à experiência existente e conhecimento.

Para outros, a perseguição foi uma realidade, com cargos sendo suspensos e nomeações canceladas. Vingativo, o atual gestor do ministério passou a adotar uma orientação profundamente ideológica, sem qualquer relação com o interesse nacional.

O temor, entre muitos, é de que um sistema de controle e monitoramento tenha sido estabelecido.

Não por acaso, um dos principais ressentimentos é de que não podem, hoje, dar as caras para apoiar publicamente o texto, sob o risco de punições.

Mas, para a grande maioria dos diplomatas, o maior problema não é pessoal. Mas sim o desmonte de tudo o que aprenderam sobre as tradições diplomáticas nacionais, do capital político do país no mundo, os ataques contra a Constituição e a deterioração do relacionamento com o mundo.

Não foram poucos os casos ainda de apoio irrestrito aos filhos do presidente Jair Bolsonaro, causando revolta interna.

Um dos trechos mais comentados do texto foi ainda quando os ex-ministros mostram a ""solidariedade e decidido apoio aos diplomatas humilhados e constrangidos por posições que se chocam com as melhores tradições do Itamaraty".

"A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro", dizem.