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Jamil Chade

Comissão Arns alerta para "ressurgimento de espionagem de Estado"

Oito dos 22 ministros de Bolsonaro são militares, a maior participação das Forças Armadas em um governo desde a redemocratização - Equipe de transição/Rafael Carvalho
Oito dos 22 ministros de Bolsonaro são militares, a maior participação das Forças Armadas em um governo desde a redemocratização Imagem: Equipe de transição/Rafael Carvalho

Colunista do UOL

14/08/2020 15h24

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Resumo da notícia

  • Grupo formado por especialistas em direitos humanos e ex-ministros cobra esclarecimentos por parte do governo
  • Comissão pede que STF e Congresso atuem para impedir prática e entrega ao Supremo memoriais

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) cobra esclarecimento do governo em relação à elaboração de listas sigilosa montada pelo Ministério da Justiça com os nomes de servidores públicos e professores que tenham feito parte de "movimento antifascismo" e apela ao Supremo Tribunal Federal e Congresso a impedir que tais atos continuem.

A ação sigilosa do Ministério da Justiça do governo Bolsonaro foi revelada com exclusividade pelo UOL há duas semanas. Um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança foi identificado como integrante do "movimento antifascismo", além de três professores universitários.

O dossiê produzido pelo ministério tem nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas. A atividade contra os antifascistas, conforme documentos aos quais o UOL teve acesso, é realizada por uma unidade do ministério pouco conhecida, a Seopi (Secretaria de Operações Integradas).

Dias depois, quatro parlamentares ouvidos pelo UOL indicaram que o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, confirmou que a Seopi realizou um relatório de inteligência sobre o grupo Policiais Antifascismo. Mas insistiu que não ser uma investigação.

Em nota publicada nesta sexta-feira (14), a Comissão repudia o gesto do governo "contra cidadãos brasileiros" e "externar sua preocupação para que haja rápida e completa elucidação de tais práticas, evitando, assim, o ressurgimento da espionagem de Estado em nossas instituições e em nossas vidas".

A Comissão é formada por alguns dos principais nomes no campo dos direitos humanos no Brasil, entre eles José Carlos Dias, Ailton Krenak, Dalmo de Abreu Dallari, Luiz Felipe de Alencastro, Sueli Carneiro, Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Maria Victoria de Mesquita Benevides.

O grupo indicou que, desde a revelação do caso pelo UOL, o que se observa é "uma sucessão de manobras do governo para que a verdade não venha à tona".

"Tais manobras começam pelas rasas explicações oferecidas pelo titular da Justiça à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n. 722, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, a ser julgada nos próximos dias em sessão plenária", diz.

"Para a Comissão Arns, a superficialidade com que o representante do governo tratou o pedido de informações feito, diligentemente, pela ministra-relatora, constitui uma afronta ao STF", denuncia.

A Comissão ainda qualificou de "esclarecimentos burocráticos" as explicações dadas pelo ministro da Justiça diante de uma comissão parlamentar. "Na verdade, um punhado de evasivas que em nada elucida o modus operandi da chamada Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça - SEOPI, nem a sua intencionalidade ao produzir tais dossiês, à guisa de prestar serviços de informação", declarou.

"Coroando duas semanas de explicações inconsistentes, eis que vem a público a existência de outra lista com nomes de supostos inimigos do governo Bolsonaro, taxados de "antifascistas" e "terroristas", que terá sido entregue pelo deputado Eduardo Bolsonaro à embaixada americana no Brasil - se confirmado, além de tresloucado, o gesto configura gravíssimo ataque à soberania nacional", denuncia a Comissão.

"Lamentavelmente, enquanto as evasivas oficiais seguem ocultando os reais interesses desses dossiês, centenas de brasileiros continuam expostos em sua privacidade, atacados em sua dignidade e até ameaçados em sua integridade física pelo fato de seus nomes constarem destas listas abomináveis, cuja circulação, de fato, desconhecemos", afirmam os membros da Comissão.

Medidas Judiciais

Um dos citados na lista é Paulo Sérgio Pinheiro, presidente-fundador e membro da Comissão Arns. De acordo com a nota, Pinheiro vem tomando "as medidas judiciais cabíveis".

"É triste ver o desrespeito com que é tratado pelo atual governo este ex-secretário de Estado de Direitos Humanos, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade, ex- integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e atual relator especial da ONU para violações na Síria", declaram.

Além da ação de Pinheiro, a Comissão Arns também decidiu apresentar memoriais na ADPF, que será julgada pelo plenário do STF, "expressando sua indignação diante das graves violações a direitos fundamentais, plenamente caracterizadas na produção dessas listagens de pessoas".

O grupo insiste que é "preciso esclarecer, de uma vez por todas, a inspiração e a razão de ser de tais dossiês nos marcos da Justiça e do Estado Democrático de Direito, sob o farol da Constituição".

"Não se pode tolerar a volta da vigilância do Estado sobre os cidadãos, abrindo passagem às práticas arbitrárias. Por isso, conclamamos os juízes do Supremo e os membros do Parlamento a exercerem o que lhes cabe como mandato: impedir que essa indignidade sobreviva", completam.

Lista Suja

Nesta semana, o UOL revelou que o caso já chegou à ONU. Em Genebra, fontes do alto escalão das Nações Unidas confirmaram que pelo menos dois relatores especiais de direitos humanos estão cientes da situação e do comportamento do governo, além da cúpula da organização mundial. Uma das possibilidades é de que o Brasil seja incluído numa espécie de lista suja de governos que cometem intimidações contra ativistas de direitos humanos.