"Explosão em Beirute enterrou sonho de um futuro no Líbano", diz escritora
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O governo libanês declarou um estado de emergência e deu poderes extraordinários aos militares para impedir que a população possa protestar contra a morte de seus familiares e amigos. A avaliação é de Lina Mounzer, escritora libanesa e que, em Beirute, tem sido uma testemunha de um colapso da sociedade, dez dias depois da explosão na capital do país.
"Eles querem que morramos em silêncio", disse. Em entrevista à coluna, ela reflete sobre a crise vivida em sua cidade, a indignação da população e a responsabilidade do Estado. "Assassinos nos governam", afirmou.
Ao longo dos últimos anos, seus textos e contos foram publicados no "The New York Times", "The Guardian", "The Paris Review", entre outras publicações. Sua obra ainda foi incluída na "An Anthology of Lebanese Women's Writing" (Telegram Books: 2007) e "Tales of Two Planets (Penguin Books: 2020)".
A escritora não mede palavras para descrever o impacto da explosão na sociedade. Segundo ela, está enterrado sob os escombros de Beirute "o sonho de que poderíamos ter um futuro real neste país" e a "esperança". "Tudo isso agora está enterrado", lamentou.
Um período de instabilidade deve marcar o Líbano nos próximos meses. "Ou temos que aprender a viver em silêncio com nossos assassinos ou temos que lutar. A instabilidade é inevitável", alertou a escritora.
Para ela, não há como confiar em uma investigação realizada pelas próprias autoridades locais. "O governo está moralmente falido. Eles já estão bloqueando as investigações internacionais. O Presidente Aoun chamou uma investigação internacional de 'uma perda de tempo'. Este é um Estado que levou o país à falência e depois confiscou nosso próprio dinheiro", denunciou.
Eis os principais trechos da entrevista:
UOL - Os libaneses são conhecidos por sua solidariedade. Mas qual é o sentimento entre uma população que sofreu tanto?
Lina Mounzer - O sentimento é de imensa raiva, tristeza e choque. A solidariedade ainda está presente. Se não tivéssemos solidariedade, não teríamos nada. A elite política não fez nada. Nada para ajudar.
Desde a limpeza dos escombros, a retirada de corpos debaixo dos escombros, a distribuição de ajuda, até a tentativa de encontrar lugares seguros para os sem-teto dormirem: tudo isso foi feito por cidadãos particulares com seus próprios recursos. Nunca é demais salientar o quanto o Estado tem sido negligente e insensível.
A explosão foi culpa deles. Agora há provas claras e escritas de que eles sabiam sobre o nitrato, assim como o perigo que representava pelo menos duas semanas antes da explosão. E ainda assim, o que eles fizeram foi usar munições contra manifestantes, sem levantar um dedo para ajudar.
Como se tudo isso não fosse repugnante o suficiente, tanto o General Aoun quanto seu genro Gebran chamaram esta explosão de "uma oportunidade" para que os dólares chegassem ao Líbano com fome de dinheiro.
Em árabe, há uma expressão: "ele cortou seu próprio braço para pedir esmola". Aqui, eles explodiram seu próprio povo para implorar esmola.
De acordo com ONGs como My People, My Responsibility, milhares de voluntários saíram às ruas para limpar a cidade e ajudar a encontrar desaparecidos. Os grupos acusam o governo de não agir de forma suficiente. Nas redes sociais, grupos de vizinhos se organizam para encontrar local para famílias e suprimentos básicos. Agências internacionais, como a AP, também trouxeram nos últimos dias reportagens extensas sobre a ira popular diante da sensação de que o governo está imóvel diante do caos. As autoridades, porém, garantem que estão fazendo sua parte.
Resiliência é outra palavra ligada ao Líbano. Será que ela pode resistir a este golpe?
Não, não pode. A ninguém pode ser pedido que resista a um golpe como este. A resiliência tem seus limites. Ninguém que eu conheça está bem. Ninguém se sente seguro ou bem. Mesmo a faixa mais elástica quebra quando você a puxa até seu limite. Terminamos com a resiliência. Entendemos agora que sempre foi uma mentira.
Existe algum espaço para uma investigação confiável feita pelo governo, ou terá que ser feita a partir do exterior?
Não. O governo está moralmente falido. Eles já estão bloqueando as investigações internacionais. O Presidente Aoun chamou uma investigação internacional de "uma perda de tempo".
Este é um Estado que levou o país à falência e depois confiscou nosso próprio dinheiro para cobrir sua dívida, enquanto permitia que os ultrarricos — a maioria deles membros da elite política — contrabandeassem mais de US$ 6 bilhões de dólares para fora do país.
Este é um Estado que armazenou materiais perigosos em condições inseguras no meio de uma cidade densa e se esqueceu de fazer algo a respeito durante seis anos. Este é um Estado onde todos os atores políticos mais importantes estão negando saber alguma coisa sobre estes explosivos no porto. Mesmo quando sabemos que seria uma loucura política para eles não saber tal coisa, nem que fosse apenas para fins de segurança.
Este é um Estado que dispara munições contra os manifestantes. Este é um Estado que matou mais de 200, feriu mais de 6.000 e deixou 300.000 desabrigados e depois não pediu desculpas. Não só não ofereceu palavras de consolo, mas nem mesmo ajudou a limpar os escombros para que as pessoas pudessem ter corpos para lamentar e enterrar. Algumas pessoas simplesmente nunca serão encontradas. Este é o Estado que esperamos que realize uma investigação confiável? A própria ideia é ridícula.
Segundo o Bank Audi, o Líbano sofreu uma evasão fiscal de mais de U$5 bilhões em 2018. No ranking de percepção de corrupção da entidade Transparência Internacional, o Líbano está na 137ª posição, entre 180 países.
O que foi enterrado sob os escombros da cidade?
Os corpos dos entes queridos. Os itens cuidadosamente escolhidos que uma vez constituíram uma vida. O sonho de que poderíamos ter um futuro real neste país. A esperança de que merecíamos algo melhor do que isto: este governo, estes aproveitadores da guerra e assassinos que nos governam. Tudo isso agora está enterrado.
Você teme uma espiral descendente, com a crise econômica, a cobiça, etc.?
Sim. A explosão nos mostrou que há sempre novos pontos baixos aos quais podemos afundar. Que há horrores que não podemos imaginar que possam se tornar possíveis de repente. É por isso que não nos sentimos mais seguros.
A estabilidade política está em risco?
Sim. O governo acaba de declarar estado de emergência agora, dando aos militares poderes extraordinários. Eles não querem que protestemos contra nossas próprias mortes. Eles querem que morramos em silêncio. O Estado chegou desmascarado. Todos eles no topo: Michel Aoun, Gebran Bassil, Nabih Berri, Walid Jumblatt, Samir Geagea, Hassan Nasrallah e todas as pessoas que dependem deles para esmolas e subornos, eles estão dispostos a fazer qualquer coisa para permanecer no poder.
Ou temos que aprender a viver em silêncio com nossos assassinos ou temos que lutar. A instabilidade é inevitável. Eu não descartaria isso para ajudar a instigar outra guerra civil só para que eles possam se agarrar a seus assentos de poder.
Beirute pode se tornar Beirute novamente?
Eu não sei o que isso significa. Isto é Beirute. Esta sempre foi Beirute. Um lugar de destruição contínua.
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