Topo

Jamil Chade

Brasil questiona condições de aliança de vacina, mas deve aderir ao projeto

Entrevista coletiva da OMS em Genebra -
Entrevista coletiva da OMS em Genebra

Colunista do UOL

30/08/2020 14h47

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Resumo da notícia

  • Consórcio liderado pela OMS deverá estabelecer vacina a US$ 10 por dose.
  • Governo terá de indicar qual o percentual da população que deseja vacinar num primeiro momento. Valor pode superar a marca de R$ 4 bi
  • Brasília questiona falta de transferência de tecnologia e incapacidade de influenciar nas decisões do consórcio

O governo brasileiro deverá informar à OMS até o final desta segunda-feira que participará da aliança mundial de vacinas para enfrentar a covid-19. Mas, internamente, Brasília tem questionado as condições impostas, principalmente diante da exigência de pagamentos sem a garantia de uma participação real do governo em decisões desse consórcio e nem de transferência de tecnologia. Se não houver esclarecimentos sobre tais questões, o envolvimento do país poderia ser reduzido.

A OMS criou o sistema na esperança de realizar o maior projeto de vacinação em curto prazo e, assim, frear a pandemia. Conforme a coluna revelou com exclusividade há uma semana, estabeleceu um preço de US$ 10,00 por dose, cerca de R$ 55. O valor é significativamente mais baixo do que empresas de ponta anunciaram nos últimos meses. A estimativa é de que uma imunização exigirá duas doses da vacina.

Mas a entidade pena para encontrar recursos e conta com apenas 10% do valor que julga ser necessário. A OMS havia dado até esta segunda-feira para que os governos confirmassem o interesse no esquema. Cerca de 90 países mais pobres do mundo receberiam gratuitamente o produto. Mas o Brasil não faz parte desse pacote sem custos, já que é considerado como uma economia de renda média. Assim, o governo terá de pagar para ter acesso à vacina.

Na carta que enviará para as autoridades em Genebra, o Brasil terá de estipular qual o modelo de envolvimento que terá e qual o percentual de sua população que espera vacinar graças aos produtos do consórcio internacional. A aliança permite que governos busquem a imunização para uma proporção da população que vai de 10% a 50%.

Depois de um período inicial de hesitação sobre o projeto, em abril, o Brasil já indicou por meio de carta que estava disposto a fazer parte da aliança, conforme revelou a coluna com exclusividade. Mas precisava definir de que forma isso ocorreria. A vantagem da aliança é sua capacidade de negociar um desconto importante com empresas, já que oferece em troca uma garantia de compras de bilhões de doses.

Mas, para o Brasil, isso envolve ainda avaliar se acordos bilaterais seriam mais vantajosos e, caso opte por entrar no pacote mundial, quanto estaria disposto a investir.

Os últimos dias foram marcados por intensas reuniões na Casa Civil, Ministério da Saúde e no Itamaraty, justamente para definir de que forma isso ocorreria.

A previsão do governo é de que uma carta será entregue com a confirmação. Mas as dúvidas continuam, o que poderia levar o Brasil a cancelar sua adesão em um segundo momento e antes de iniciar a fazer o desembolso de milhões de dólares caso seja considerado como adequado. O compromisso desta segunda-feira não é vinculativo.

Uma das dúvidas se refere ao papel que a Anvisa poderia desempenhar. Não está claro, pelo protocolo da aliança, se a agência reguladora no Brasil teria acesso ao dossiê das aprovações das vacinas que serão usados no consórcio.

Há ainda outra questão sobre os custos, que poderiam chegar a mais de R$ 4 bilhões se o Brasil quiser vacinar 20% de sua população. Apesar do investimento no mecanismo, não existem garantias de que haverá uma transferência de tecnologia ao país e nem influência no processo decisório.

Uma das propostas do consórcio é a de ter o Brasil entre seu conselho gestor. Mas não existem esclarecimentos sobre qual seria a capacidade de o país de influenciar o projeto.

Para os países menores ou mais pobres, os incentivos seriam maiores. Eles teriam acesso às vacinas de forma gratuita, ainda que não tenham qualquer envolvimento no processo decisório.

Flexibilidade

Documentos enviados pelo consórcio ao Brasil na semana passada estipulam duas opções, justamente na esperança de atrair o governo em Brasília. Na primeira deles, governos precisariam se comprometer a comprar um certo volume da vacina por um determinado preço, seja qual for a fabricante.

Mas, pela primeira vez, há uma opção de uma flexibilidade. Para países que já fecharam um acordo bilateral com uma empresa, como no caso do Brasil e de outras grandes economias, haveria a possibilidade de que o governo em questão opte por não entrar na primeira distribuição da aliança caso a vacina oferecida seja exatamente da mesma companhia.

O país então apenas entraria na distribuição numa segunda leva de vacinas, produzida por um outra companhia. Mas, neste caso, seria o último a receber.

Esse poderia ser o caso do Brasil. O governo fechou um acordo comercial com a AstraZeneca, que também faz parte do consórcio. Se essa for a primeira vacina a chegar ao mercado, o Brasil poderia ser obrigado a pagar duas vezes. Uma por conta de seu acordo bilateral e outra por fazer parte da aliança mundial.

Como há essa flexibilidade agora, o governo poderia optar por sair dessa distribuição. Mas, em compensação, ficaria no final da fila numa distribuição seguinte.

Custo inicial

Numa primeira fase, as vacinas que saiam do consórcio irão para trabalhadores do setor de saúde, pessoas com doenças e idosos. Isso significaria 20% em média da população dos países.

No caso do Brasil, uma das opções seria a de destinar 15% do valor total das vacinas que irá se comprometer a comprar. Em tese, o Brasil poderia pedir doses para cerca de 40 milhões de pessoas. Se o governo optar por esse caminho, terá de considerar cerca de US$ 20 para imunizar cada pessoa com as duas doses.

Um total, portanto, de US$ 800 milhões seriam necessários para vacinar apenas essa parte mais vulnerável da população brasileira, (cerca de R$ 4,4 bilhões).

Num segunda fase, a distribuição dependerá de como está a situação de cada país. Até o final de 2021, o plano é de distribuir 2 bilhões de doses.

Ainda que o valor continue sendo elevado, fontes na OMS indicam que o custo é bem inferior a alguns dos acordos sendo fechados entre governos e empresas. A norte-americana Moderna Inc., por exemplo, estaria projetando um preço entre US$ 32 e US$ 37 por dose.

Por enquanto, fazem parte do consórcio os seguintes projetos: Inovio, Moderna, Novavax, CureVac, Institut Pasteur/Merck/Themis, AstraZeneca/Universidade de Oxford, Universidade de Hong Kong, Clover Biopharmaceuticals, (China) e a Universidade de Queensland (Australia).