Topo

Jamil Chade

Grupo indígena criticado por Heleno leva prêmio de direitos humanos nos EUA

APIB é premiada por campanha na Europa denunciando violência contra povos indígenas do Brasil - Imagem cedida ao UOL
APIB é premiada por campanha na Europa denunciando violência contra povos indígenas do Brasil Imagem: Imagem cedida ao UOL

Colunista do UOL

01/10/2020 16h37

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) foi anunciada como a vencedora do Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos 2020, do Instituto de Estudos Políticos de Washington (EUA). O reconhecimento aumenta a pressão sobre o governo brasileiro, já duramente afetado por críticas internacionais diante de seu comportamento na Amazônia, em temas de direitos humanos e, mais especificamente, sobre a questão indígena.

A premiação ocorre uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro usar a tribuna na ONU (Organização das Nações Unidas) para culpar os indígenas pelas queimadas no país e atacar ONGs por crimes ambientais.

O reconhecimento é ainda um golpe contra um dos principais homens do governo, general Augusto Heleno. Há poucas semanas, o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) acusou em suas redes sociais a APIB de "crimes lesa-pátria" por manchar a imagem do Brasil no exterior e de estar envolvida com atores internacionais de esquerda, o que, na avaliação do general, incluiria o ator Leonardo Di Caprio.

Para a entidade internacional, porém, a avaliação era outra. O motivo da premiação foi a organização da primeira delegação de lideranças indígenas à Europa, que ficou conhecida como jornada "Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais", e o trabalho em defesa dos povos indígenas no Brasil.

O prêmio foi criado em 1978 para homenagear atuações de destaque no campo dos direitos humanos, em memória de dois antigos membros do Instituto de Estudos Políticos, Orlando Letelier e Ronni Karpen Moffitt, mortos pela ditadura chilena em 1976.

A cada ano, um comitê composto por líderes de prestígio da comunidade de direitos humanos elege os laureados. Lisa Haugaard, do Grupo de Trabalho para a América Latina, foi quem indicou a APIB por seu trabalho na defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil.

Terceiro prêmio recebido pelo Brasil

O prêmio será entregue no próximo dia 15, pela escritora canadense Naomi Klein, ícone do ativismo global. A APIB será representada por sua coordenadora-executiva, Sonia Guajajara. O evento será virtual.

Essa é apenas a terceira vez que o prêmio vai ao Brasil, em seus 31 anos de existência. Em 1989, o mesmo reconhecimento foi dado à União das Nações Indígenas (UNI), por sua contribuição fundamental ao capítulo sobre os direitos indígenas da Constituição de 1988. Dom Paulo Evaristo Arns foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio, em 1982.

Na Europa, a comitiva de lideranças indígenas da APIB, formada por Alberto Terena, Angela Kaxuyana, Célia Xakriabá, Dinaman Xakriabá, Dinaman Tuxá, Elizeu Guarani Kaiowá e Kretã Kaingang, denunciou as graves violações perpetradas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro contra os povos indígenas.

"Passado quase um ano, os ataques aos nossos direitos e territórios multiplicaram-se", diz a APIB em um comunicado.

Invasões de terras indígenas crescem sob Bolsonaro

"As invasões em terras indígenas, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio mais do que dobraram no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, passando de 109 casos, em 2018, para 256 no ano passado — um crescimento de 135%", disse.

Os dados são do relatório anual Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário. As "mortes por desassistência" passaram de 11, em 2018, para 31 em 2019, enquanto as ameaças de morte cresceram de oito para 33.

"A APIB é a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil que une a luta dos povos originários que são as raízes deste país", disse Sonia Guajajara.

"Com a força de nossos ancestrais, a APIB luta há mais de 15 anos pelos direitos indígenas em todas as regiões do Brasil. Em nossa luta pela proteção de nossas florestas, trabalhamos por uma cultura inclusiva e pela saúde pública indígena. Resistimos há mais de 500 anos e continuaremos trabalhando incansavelmente pela justiça. Estamos honrados pelo reconhecimento do Instituto de Estudos de Políticos pelo nosso trabalho em defesa do Brasil e dos povos indígenas contra a destruição ambiental e cultural. Nossa luta, por extensão, é por todas as pessoas que vivem neste planeta durante este tempo de crise climática."

A líder indígena garante que continuará a fazer "o som dos maracás ser ouvido em toda parte, com a ajuda de aliados brasileiros e internacionais". "Continuaremos lutando em nossos territórios e comunidades, no Congresso brasileiro, no Supremo Tribunal Federal, nas cortes internacionais, e nas redes, pelo nosso direito de existir", disse Sonia.

Atualmente, a APIB tem coordenado com organizações de base os esforços no enfrentamento à pandemia de covid-19 entre povos indígenas. Uma das frentes de trabalho é o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, que elabora mapeamento e divulgação dos números de indígenas mortos e contaminados pelo novo coronavírus, bem como de povos impactados.

"Esse monitoramento é um contraponto à narrativa oficial dos órgãos do governo federal, cujos dados apontam subnotificação. O Comitê já contabilizou 829 indígenas mortos pela covid-19, 34.402 contaminados em 158 povos indígenas.", explica o grupo.