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Jamil Chade

Líderes colocam limites à demagogia, e Bolsonaro vive encruzilhada

Jair Bolsonaro grava discurso para a 75ª Assembleia Geral da ONU - Marcos Corrêa/PR
Jair Bolsonaro grava discurso para a 75ª Assembleia Geral da ONU Imagem: Marcos Corrêa/PR

Colunista do UOL

06/12/2020 04h00

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Há poucos dias, governos de todo o mundo receberam uma carta da liderança da ONU com um tom diferente: a entidade convidava seus respectivos presidentes para uma cúpula do clima, no próximo dia 12. Mas com a condição de que, se o Brasil ou qualquer outro país optasse por participar em nível de chefe de estado, teria de usar a ocasião para mostrar trabalho. Em outras palavras: anunciar novas metas ambiciosas de redução de emissões ou de preservação da floresta.

Caso não houvesse nada para anunciar, a recomendação era de que o governo deveria evitar a participação. Dezenas de países já responderam de forma positiva, num processo que está sendo liderado pela França, Reino Unido, Chile e Itália.

Um dos motivos do evento, organizado de forma virtual, é marcar os cinco anos do Acordo de Paris. Durante horas, presidentes e primeiros-ministros tomarão a palavra para assumir tais compromissos.

Mas, no caso do Brasil, a resposta não é clara. Procurado pela coluna, o Itamaraty ignorou os pedidos de informação sobre uma participação ou não do presidente Jair Bolsonaro. A reportagem ainda pediu ao Ministério do Meio Ambiente um esclarecimento se a pasta e o presidente estariam no evento.

Numa primeira resposta, a pasta respondeu que o Ministério confirmava sua participação. Mas silenciava sobre Bolsonaro. Voltei a questionar sobre o presidente, e a resposta foi clara: isso não é assunto nosso e só o Planalto poderia responder. No Planalto, nenhuma resposta foi dada ao ser questionado sobre a participação do presidente.

Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro e seus ministros têm usado reuniões internacionais para atacar países estrangeiros, e raramente para apresentar projetos concretos sobre o que tem feito parar frear o desmatamento.

Tal postura, segundo revelam negociadores em Nova Iorque, não será bem-vindo na próxima cúpula. "Chega de demagogia", disse um dos organizadores. "O mundo precisa agir", alertou.

A realidade é que o desmatamento no Brasil colocou o governo de Jair Bolsonaro numa saia-justa inédita e numa encruzilhada internacional.

Às vésperas da ofensiva liderada pela ONU para garantir que países se comprometam a metas mais ambiciosas no que se refere ao clima, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais revelou que o desmatamento na Amazônia cresceu 9,5% entre agosto de 2019 a julho de 2020 e a região perdeu 11.088 km² de floresta, um recorde.

Diplomatas confirmam à coluna que a percepção internacional é de que, se o Brasil ficar de fora da cúpula, irá confirmar seu status de pária climático, principalmente tendo em vista o fim da administração de Donald Trump e uma reviravolta no posicionamento dos EUA em temas ambientais.

Ao mesmo tempo, uma participação do Brasil também seria transformada em uma ocasião de pressão sobre o país e evidenciaria como o governo está isolado em suas posições.

A pressão sobre o Brasil, porém, não aguarda a cúpula. Num recente discurso nesta semana, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, mandou mensagens cifradas para Brasília.

"Vemos sinais preocupantes", disse o português. "Alguns países estão usando a crise para desmontar proteções ambientais", alertou. No primeiro semestre, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, indicou que o governo deveria usar o momento da pandemia para "passar a boiada" no que se refere à desregulamentação.

Guterres também chamou a atenção de países que estão "expandindo a exploração de recursos naturais e desfazendo ambições climáticas".

O chefe da ONU ainda fez questão, nesta semana, de apontar para a necessidade de que indígenas sejam protegidos. A declaração foi, uma vez mais, interpretada como um recado para Bolsonaro.

"O conhecimento indígena, destilado ao longo de milênios de contato estreito e direto com a natureza, pode ajudar a apontar o caminho", disse. "Os povos indígenas constituem menos de 6% da população mundial, mas são administradores de 80% da biodiversidade mundial em terra", alertou.

"Já sabemos que a natureza administrada pelos povos indígenas está diminuindo menos rapidamente do que em qualquer outro lugar. Com os povos indígenas vivendo em terras que estão entre as mais vulneráveis às mudanças climáticas e à degradação ambiental, é hora de ouvir suas vozes, recompensar seus conhecimentos e respeitar seus direitos", declarou.

Se não bastasse, o secretário-geral das Nações Unidas conversou nesta semana tanto com Joe Biden, presidente eleito dos EUA, como com John Kerry, o futuro representante da Casa Branca para os temas ambientais.

Para a ONU, o momento é de mudar mentalidades e o posicionamento brasileiro simplesmente não se encaixa no processo que a entidade quer liderar. A cúpula, portanto, poderá ser um momento decisivo para marcar a reputação do Brasil no mundo.