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Jamil Chade

Brasil questionará a UE por barreira às exportações de vacinas

Sede da OMC, em Genebra  -
Sede da OMC, em Genebra

Colunista do UOL

02/02/2021 12h31

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A decisão da UE de dificultar que vacinas contra a covid-19 sejam exportadas abre um mal-estar entre governos e será alvo de uma reunião diplomática nesta semana, em Genebra. Fontes próximas à Organização Mundial do Comércio revelam à coluna que, nesta quinta-feira, um grupo de países se reunirá e que a barreira imposta pelos europeus estará no centro dos debates.

O governo brasileiro vai pedir esclarecimentos aos europeus, já que a medida é vista como um sinal de ameaça ao abastecimento global de imunizantes e um golpe aos próprios valores defendidos por Alemanha, França e outros países do bloco sobre a necessidade de ser manter o comércio aberto durante a pandemia. A UE estará no encontro, também com a presença de uma dezena de outros países.

A crise eclodiu na semana passada, quando a AstraZeneca indicou ao bloco europeu que iria cortar pela metade o volume de doses que iria abastecer o mercado da UE no primeiro trimestre de 2021. Bruxelas convocou reuniões de emergência, mas não conseguiu garantir o abastecimento.

Diante da recusa da empresa em restabelecer o cronograma original de entregas, a UE criou um mecanismo de controle de exportações, exigindo que qualquer dose que saia das fábricas instaladas no bloco - essencialmente na Bélgica e Holanda - tenha de ser autorizada pela Comissão Europeia.

Na prática, Bruxelas poderia impedir qualquer exportação enquanto o contrato original não seja cumprido. O principal alvo da queixa era o Reino Unido e o abastecimento de vacinas produzidas na UE e que iam para o mercado britânico.

Em Brasília, não há uma avaliação final se o bloqueio das exportações atingiria imediatamente o Brasil. Mas a preocupação principal é de que, com o veto, o mercado mundial inteiro seja abalado. Apesar das vacinas chinesas e russas, a percepção é de que apenas as grandes farmacêuticas europeias e laboratórios têm como abastecer de forma suficiente o mercado.

O temor entre os diplomatas de fora da Europa é de que, quanto mais tempo levar para que haja uma distribuição de vacinas, maior a chance de o vírus sofrer mutações.

Um outro elemento questionado pelo Brasil se refere ao fato de a UE ter criado uma espécie de "lista de amigos". Para um certo número de países, a Europa continuará a autorizar as exportações. Isso, na visão da diplomacia brasileira, escancara ainda mais o caráter discriminatório da medida.

Na lista criada pelos europeus, países como a Suíça, Noruega, Argélia, Egito, Líbano e Israel continuarão a ser abastecidas. Exportações para os 92 países mais pobres do mundo também são autorizadas.

Mas dezenas de países, entre eles EUA, Brasil, Japão ou Canadá, seriam afetados. De fato, o Itamaraty não será o único a questionar os europeus. Canadá e Japão já se mostraram irritados com a atitude de Bruxelas, indicando que existe um risco real de que suas campanhas de vacinação sejam atrapalhadas por uma "seca" no abastecimento.

O gesto brasileiro não representa ainda a abertura de uma disputa comercial e nem de uma guerra declarada contra os europeus. Mas a decisão de Brasília e de outras capitais por questionar a UE mostra a dimensão da insatisfação que existe diante do comportamento dos europeus.

"Impacto devastador"

Na OMS, a atitude também foi criticada, enquanto movimentos sociais insistem que essa é uma demonstração da fragilidade do sistema internacional de produção de vacinas.

Governos que estarão no encontro desta semana vão ainda cobrar um "discurso coerente" por parte dos europeus. Por meses, a UE insistiu em declarar que o bloco via a saúde como prioridade e a cooperação internacional como uma exigência.

Nos últimos dias, a UE ainda recebeu críticas por parte do setor privado. Numa carta ao bloco, a Câmara Internacional de Comércio alertou Bruxelas que tais medidas poderiam gerar retaliações por parte de parceiros comerciais, criando um "impacto devastador" para o mercado global de vacinas, enquanto o governo da Coreia do Sul alertou que os europeus estavam acumulando mais vacinas do que precisavam para vacinar toda sua população.

A crise ainda levou a ministra do Comércio da Canadá, Mary Ng, a ligar para o comissário de comércio da UE, Valdis Dombrovskis, para alertar que cadeias de fornecimento para bens médicos e de saúde precisavam ser mantidos abertos.

A resposta da UE é de que o mecanismo criado tem como objetivo apenas gerar "mais transparência" e saber o destino das exportações.