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Dezenas de entidades contestam discurso de Araújo e Damares na ONU
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Resumo da notícia
- Declaração conjunta é reação à participação de ministros brasileiros na abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU
- Em discurso, Araújo criticou lockdown e focou atenção na censura na Internet
- Já Damares Alves disse que o Brasil "garantiu" vacinas para idosos, indígenas e profissionais de saúde
- Os ministros brasileiros não tocaram em temas como racismo, violência policial, a crise nos hospitais ou ataques contra a imprensa
Entidades da sociedade civil, ongs, grupos religiosos, quilombolas e indígenas se unem para contestar o discurso dos ministros Ernesto Araújo e Damares Alves, no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Numa carta conjunta, mais de 60 organizações afirmam que a fala do governo brasileiro não representa a situação do país e "conclamam às nações do mundo que levam a sério os direitos humanos para que não aceitem este tipo de intervenção".
O grupo "solicita que (países) apresentem questionamentos ao governo brasileiro, de modo que se possa dar passos para responsabilizar sua atuação por patrocinar graves e persistentes violações dos direitos humanos".
Representando a ala mais dura do Bolsonarismo, os ministros participaram por vídeo na última segunda-feira da abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A tribuna da entidade foi, por alguns minutos, transformada em um megafone de ideologia e argumentos que flertam com teorias de conspiração.
Com sua bandeira da Ordem de Cristo no fundo, o chanceler surgiu no vídeo diante do mundo com uma cruzada contra o confinamento. Para ele, populações estão sacrificando suas liberdades em troca de saúde, um discurso que ecoa o que grupos negacionistas usam para contestar até mesmo o uso da máscara.
De todas as ameaças aos direitos humanos no Brasil, Araújo escolheu como centro de seu discurso a censura na Internet, bandeira que ele assumiu depois que Donald Trump, sua milícia digital e sites propagadores de desinformação foram silenciados. Já Damares disse que o governo está "garantindo" a vacina para idosos, indígenas e trabalhadores da saúde.
Para as entidades, a sociedade civil brasileira "não reconhece o pronunciamento do governo na ONU". O grupo conta com entidades como o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Agentes de Pastoral Negros do Brasil, Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares, Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social, Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Misisonário, Geledés - Instituto da Mulher Negra. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Instituto Marielle Franco, Instituto Vladimir Herzog, Justiça Global e muitas outras.
"Diferente do que afirmaram perante a comunidade internacional, o Brasil não está fazendo o melhor para enfrentar a pandemia da covid-19", disseram. "Negando a gravidade da pandemia, o governo deixou de adotar medidas para proteger sua população e impedir a propagação do vírus. Com cerca de 2% da população mundial, o Brasil acumula 10% das mortes por Covid-19 no mundo. Em 2020, o risco de se morrer de Covid-19 no Brasil foi três vezes maior que no resto do mundo. O governo brasileiro sequer aplicou todo o recurso que foi autorizado para isso, desassistindo cruelmente aqueles/as que são as maiores vítimas da pandemia", alertam.
O grupo também contesta a declaração de Damares Alves sobre a "garantia" da vacinação. "O Brasil, na verdade, não está vacinando a sua população nem mesmo todos os idosos e profissionais de saúde, nem mesmo todos os povos tradicionais como anunciou a ministra Damares Alves", disseram.
"Segundo organizações indígenas, o governo nem sequer tem vacinado a todos os povos indígenas (atinge somente aos aldeados), quilombolas, ciganos e outros mais de 25 grupos, que não estão incluídos nas prioridades. O racismo estrutural impregna o processo de vacinação, uma vez que negros/as são mais da metade da população do País, mas são os que menos tiveram acesso a vacina", apontam.
O grupo ainda aponta como o chanceler e a ministra não falaram que que o Brasil é um dos países mais afetados e com um dos mais altos registros de mortes por Covid-19, que o presidente da República questiona a eficácia da vacina, propaga remédios comprovadamente ineficazes para tratamento precoce, promove aglomerações e ataca medidas de isolamento e distanciamento social.
"O sistema público de saúde está em colapso em várias cidades brasileiras, faltam leitos de UTI, oxigênio, remédios e materiais de proteção individual para profissionais de saúde", denunciaram.
O grupo ainda denuncia o fato de que Damares tenha omitido que quase metade das famílias brasileiras ficou desassistida e "segue assim em razão da descontinuidade do auxílio emergencial".
Damares acusada de contar apenas parte da história
As entidades também apontam que, no discurso, os valores apresentados pela ministra foi um "artifício retórico comum, já que não apresenta o universo da demanda e nem mesmo dados comparativos para que possam ser adequadamente avaliados".
"Fanfarronar números é um recurso que pode impressionar, mas prática que não se sustenta quando confrontada à realidade. Um exemplo são os dados sobre a proteção de crianças: a ministra diz que atuou para equipar 500 Conselhos Tutelares no Brasil, mas não falou dos mais de cinco mil outros que não foram atendidos, afinal são 5.570 municípios no Brasil e em cada um deles há pelo menos um conselho tutelar", atacam as organizações.
Araújo alvo de ataques
O grupo ainda destacou a fala de Ernesto Araújo. "O chanceler que prega ataques ao multilateralismo, em nome da soberania irrestrita dos países, brada contra um suposto climatismo, para negar os esforços contra as mudanças climáticas, desta vez, resolveu denunciar a prática da produção de falsas notícias", disseram.
"Vindo de um governo que é exímio fabricante de notícias falsas, que é acusado de manter um "gabinete do ódio", e que está sendo investigado pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal, não pode ser levado a sério", alertam.
Para o grupo, ao falar do "tecnototalitarismo", o chanceler ignora relatórios da ONU que denunciaram o uso destas tecnologias para "promover ainda mais racismo e exclusão, no viés reverso ao que sustenta o ministro".
"Ele (Araújo) certamente usa a tribuna internacional para fazer agrados e retribuições preparando possíveis reclamações de um de seus maiores aliados e agora ex-presidente norte-americano, ou mesmo ao que pode vir a acontecer a seu chefe, ou ao que já ocorreu ao parlamentar que foi recentemente preso no Brasil", dizem.
"Concordamos que a tecnologia não pode ser usada para submeter ou apequenar. Mas não concordamos que a tribuna internacional seja usada por uma alta autoridade para defender interesses não expressos em detrimento das melhores agendas de direitos humanos do mundo", contestam as entidades.
"A sociedade civil brasileira não aceita este tipo de postura nos fóruns internacionais", defendem as organizações. "Ver representantes do governo fazendo teatro de mau gosto formulado com base em meias verdades e insinuações é inaceitável e motivo de vergonha. A atuação internacional do Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas completou mais um capítulo vergonhoso", completa a carta assinada pelas entidades.
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