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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Amazônia deve condicionar apoio de Biden ao Brasil na OCDE, propõe entidade

No Salão Oval da Casa Branca, o presidente americano Joe Biden assina o pacote de estímulo à economia e combate à covid-19 de US$ 1,9 trilhão - Mandel Ngan/AFP
No Salão Oval da Casa Branca, o presidente americano Joe Biden assina o pacote de estímulo à economia e combate à covid-19 de US$ 1,9 trilhão Imagem: Mandel Ngan/AFP

Colunista do UOL

11/03/2021 23h59

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Resumo da notícia

  • Referência na questão dos direitos humanos, Human Rights Watch envia carta para Kerry com propostas sobre como lidar com Brasil
  • Para a entidade, Biden não deve se limitar a manter o diálogo com Bolsonaro e deve financiar governadores

A entidade Human Rights Watch pede que o governo de Joe Biden condicione qualquer apoio dos EUA a uma adesão do Brasil à OCDE a resultados concretos para proteger a Amazônia, inclusive no que se refere à violência contra ativistas, ambientalistas e indígenas.

Numa carta a John Kerry, o Enviado Especial dos Estados Unidos para o Clima, a organização apresentou sugestões sobre como a Casa Branca deve atuar frente aos desafios ambientais do Brasil. Uma delas é ainda para que Biden não dependa apenas de Bolsonaro e que estabeleça uma cooperação e dinheiro diretamente para governadores estaduais.

Kerry se reuniu com ministros brasileiros há duas semanas e os dois governos decidiram realizar reuniões técnicas para avaliar de que forma uma cooperação poderia ocorrer. O Planalto, porém, usou o encontro para dizer que qualquer aproximação terá de contar com recursos por parte dos EUA para ajudar na proteção da floresta.

Na carta, porém, a entidade que serve como uma das principais referências no mundo no campo de direitos humanos pede que Biden comunique ao governo Bolsonaro que, para garantir o apoio dos EUA a uma adesão do Brasil na OCDE, será fundamental que o governo brasileiro demonstre sua capacidade de alcançar reduções substanciais nas taxas de desmatamento e impunidade.

A entrada do Brasil na entidade é uma das principais metas da políticas externa de Bolsonaro. Mas, no mês passado, comitês destinados a tratar da questão do clima na OCDE deixaram o país de fora por conta da falta de compromissos assumidos pelo governo.

"O financiamento e o apoio internacionais devem estar condicionados a resultados", escreveu a Human Rights Watch. "Para garantir que a assistência seja usada para atingir os objetivos para os quais está sendo prestada, sua continuidade deve estar condicionada ao alcance, por parte das autoridades federais e estaduais dentro de suas respectivas jurisdições, da redução significativa nas taxas de desmatamento e impunidade para crimes ambientais e violência contra defensores da floresta", disse.

"Além disso, o governo Biden deveria indicar que o apoio ao Brasil em outras áreas de interesse mútuo estará vinculado à atuação no enfrentamento da crise na Amazônia", sugere a entidade de direitos humanos.

"Uma dessas áreas de particular relevância diz respeito aos esforços do país para garantir adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que exige aos membros em potencial que demonstrem compromisso, entre outros, com uma sociedade democrática baseada nos direitos humanos e no Estado de Direito", apontam.

"O presidente Biden deveria deixar claro que demonstrar compromisso com os direitos humanos exige que o presidente Bolsonaro enfrente a impunidade na Amazônia e que se junte a ele - e aos demais líderes de um número crescente de países da OCDE - no compromisso de lutar contra as mudanças climáticas. Concretamente, os Estados Unidos deveriam comunicar ao Presidente Bolsonaro que, para garantir seu apoio à adesão do Brasil à OCDE, será fundamental que o governo brasileiro demonstre capacidade de reduzir substancialmente nas taxas de desmatamento e a impunidade", alertam.

Biden deve buscar governadores e não se limitar a uma relação com Bolsonaro

Outra sugestão na carta é para que Biden busque diretamente os governadores dos 9 estados da Amazônia Legal, e não somente com Bolsonaro, inclusive possibilitando financiamento direito aos respectivos estados.

"O Brasil é mais do que o Bolsonaro", diz a entidade. "Os governadores dos nove estados que abrangem a Amazônia brasileira estão entre os mais importantes grupos para engajamento. No sistema federalista do Brasil, os governos estaduais têm grande parte da responsabilidade pelo combate ao desmatamento, e esses governadores parecem estar dispostos a receber apoio internacional", explica o documento.

Em dezembro, semanas antes do presidente Bolsonaro, esses governadores enviaram uma carta parabenizando o presidente Biden por sua eleição, e se ofereceram para trabalhar com Washington na promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

"O governo Biden deveria oferecer auxílio diretamente a esses estados, além do governo federal", propõe.

Isso, porém, não significa que a pressão em Brasília não deva continuar. "Ao mesmo tempo, deveria instar as autoridades do governo Bolsonaro a não utilizarem o alegado compromisso com o desenvolvimento econômico como pretexto para tolerar o desmatamento ilegal, a violência e a impunidade - ou, pior, como chancela para políticas que beneficiam as violentas redes criminosas que ameaçam a floresta e as pessoas que lá vivem", insistem.

Para a Human Rights Watch, "o maior obstáculo para salvar a Amazônia atualmente é o próprio governo Bolsonaro".

"Desde que assumiu o cargo em 2019, o governo tem sabotado as agências ambientais do país, intimidado e marginalizado organizações da sociedade civil, e procurado enfraquecer os direitos dos povos indígenas que desempenham um papel vital na preservação da floresta. Essas políticas praticamente deram sinal verde às violentas redes criminosas que impulsionam grande parte do desmatamento, resultando em um aumento dramático da extração ilegal de madeira e das queimadas", alertam.

Para eles, porém, Biden não deve cortar a ajuda. "Ao contrário, deveria reforçar a oferta de financiamento internacional para ajudar o Brasil a restaurar sua capacidade de garantir o cumprimento de suas próprias leis ambientais e salvar sua floresta. Ao mesmo tempo, o governo dos EUA deveria manter forte pressão diplomática sobre Bolsonaro, tanto bilateral quanto multilateralmente, para enfrentar a crise na Amazônia", sugerem.

"Acreditamos que esta abordagem equilibrada pode beneficiar bastante os esforços de conservação florestal no Brasil", dizem. "Caberá ao Brasil salvar sua floresta, mas os Estados Unidos podem desempenhar um papel decisivo ao pressionar as lideranças do país para garantir que os brasileiros comprometidos com esta urgente missão tenham os recursos, a proteção e o apoio que precisam para serem bem-sucedidos", completam.