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Jamil Chade

REPORTAGEM

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"Você pode viver tua religião sem ter templo", diz padre Júlio Lancellotti

O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral Povo da Rua de São Paulo - ANTONIO MOLINA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral Povo da Rua de São Paulo Imagem: ANTONIO MOLINA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

05/04/2021 15h21

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A decisão do ministro Kassio Nunes Marques, no STF, de liberar os cultos presenciais, permitindo que templos fossem lotados no domingo de páscoa em plena pandemia, é contestada por religiosos e entidades.

Um dos críticos é o padre Júlio Lancellotti, que alerta que a medida proposta é "descabida e enviesada, na medida que ele coloca que a essencialidade da liberdade religiosa tem de ser respeitada tendo os templos abertos".

Lancellotti é um pedagogo e presbítero católico. Por 35 anos, atua como pároco da Igreja de São Miguel Arcanjo no bairro da Mooca e é vigário episcopal para a população de rua da Arquidiocese de São Paulo.

"Eu contraponho essa questão. A essencialidade da liberdade religiosa é a solidariedade, a fraternidade e a defesa da vida. E não o templo ou a presença no templo", disse à coluna.

"A essência da liberdade religiosa é poder viver tua religião na dimensão social, na dimensão comunitária. O templo é um detalhe, é um espaço, um local. Não o essencial", insistiu.

"Você pode viver a tua religião sem ter templo, como no primitivo cristianismo", afirmou.

Já Romi Bencke, secretária-geral do Conselho de Igrejas Cristãs do Brasil, indicou que tem uma "posição de não abertura das igrejas" diante da pandemia. "Nossas igrejas membro elaboraram protocolos sempre seguindo as orientações nos estados e municípios", disse.

A entidade é composta pela Aliança de Batistas do Brasil, Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Igreja Presbiteriana Unida.

"Geralmente, quando fazem celebrações com possibilidade de participação presencial, realizam celebrações híbridas, limitando o número de pessoas nas igrejas", explicou.

"Nós realizamos toda uma campanha ecumênica toda virtual e, particularmente, minha posição é pela não abertura", disse. "Esse é o melhor serviço público que podemos oferecer", completou.

Vida em primeiro lugar

A presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil foi na mesma direção. "Intensos debates se travam, em todos os setores, sobre de quem é a responsabilidade de tomar decisões. Há disputas imensas entre os poderes legislativo, judiciário e executivo, nos níveis locais, estaduais e nacional. Quem perde com a falta de união é a população em geral, sujeita aos desmandos políticos e às condições muitas vezes precárias do sistema de saúde", alertam.

"As igrejas estão igualmente divididas. Tem aquelas que querem abrir seus templos a qualquer custo, dizendo-se imunes, pela fé, aos perigos da contaminação. Mas tem aquelas que buscam zelar pelas vidas de seus membros, orientando para que seja feito tudo aquilo que é recomendado para diminuir os contágios e, por conseguinte, as mortes", apontam.

"A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil tem procurado cuidar da vida das pessoas em primeiro lugar. Faz isso consciente de que a Igreja, na verdade, são as pessoas de fé em comunhão, quer seja no mesmo espaço físico quer seja em suas casas", diz.

"Temos promovido grande acompanhamento às pessoas através de cultos, celebrações, estudos, orações oferecidas através de meios online. Não tem faltado acompanhamento, pregação, ensino, escuta atenta e consolo às pessoas enlutadas", garantem.

Segundo eles, seus dezoito sínodos estão orientados a estudar a situação, ouvir as autoridades de saúde, e tomar a melhor decisão possível, para que as atividades religiosas não cessem e para que a vida das pessoas seja preservada. "Neste sentido, a decisão de um ministro do STF de permitir abertura de templos para receber capacidade maior de fiéis do que até então vinha sendo praticado não afeta muito a IECLB. O ministro pode permitir a abertura mas não pode obrigar as igrejas a fazê-lo", insiste.

"De nossa parte, continuaremos orando como se tudo dependesse de Deus, e trabalhando como se tudo dependesse de nós. No Brasil dos dias atuais, viver - e viver a fé - não é para amadores", concluem.