Documentos revelam ação dos EUA nos bastidores do Vaticano contra esquerda
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Quando o conclave começar, em 7 de maio, os mais de cem cardeais que irão escolher um novo papa seguirão um rito. A cerimônia começa com uma procissão da Capela Paulina até a Capela Sistina, uma caminhada de cerca de 50 metros.
Ao entrarem no local onde Michelangelo pintou o Juízo Final, os cardeais cantarão o hino Veni Creator Spiritus (Venha o Espírito Santo), num apelo para que sejam instruídos sobre como votar. Ao final do canto, será declarado "extra omnes", ou seja, "todos fora", e as portas serão fechadas.
Mas documentos, telegramas e minutas do arquivo diplomático dos EUA e da CIA revelam como o momento de definição dos rumos da Igreja é considerado como estratégico pela Casa Branca. Ao longo de décadas, Washington e seus serviços secretos estabeleceram parcerias fundamentais no auge da Guerra Fria com a Santa Sé.
Uma ofensiva americana começou a ganhar força em 28 de outubro de 1958, quando o cardeal Angelo Giuseppi Roncalli foi eleito papa e assumiu o Vaticano com o nome de João 23.
Três dias depois do conclave, num documento do Escritório para Assuntos Europeus do Departamento de Estado, ficava evidenciado a estratégia americana. Estabelecer uma relação com o Vaticano, dizia o informe, permitiria que "fontes valiosas de informação seriam disponibilizadas para nós, bem como a oportunidade de utilizar, por meio de persuasão, o considerável recurso político e a influência do Vaticano em apoio aos objetivos da política externa americana".
Meses depois, em 6 de dezembro de 1959, o presidente Dwight Eisenhower seria recebido por João 23, num esforço para aproximar posições. O americano, de acordo com as minutas do encontro, destacou como o papa seria uma das "grandes forças espirituais" e que o mundo não poderia ser definido apenas pelo materialismo.
Os anos seguintes marcaram a transformação dessa aproximação em ações conjuntas. Num encontro em 11 de maio de 1960 com a cúpula da diplomacia americana, cardeais enviados pelo Vaticano passaram a falar abertamente sobre como lidar com a "ameaça comunista".
No encontro, os representantes da Santa Sé indicaram que suas opiniões eram de que "a força moral e teórica do comunismo havia diminuído no mundo". "No entanto, a força materialista da União Soviética, por meio das Forças Armadas Vermelhas, ainda era um elemento importante para influenciar a opinião mundial", alertavam.
Nos últimos meses do pontificado de Paulo 6º, em janeiro de 1978, o cardeal Agostino Casaroli faria uma visita ao governo de Jimmy Carter. Na agenda: como conter o marxismo na Europa.
"O Vaticano se opôs à fórmula de compromisso histórico para a Itália e ficou apreensivo com a possibilidade de uma vitória marxista na França, o que traria comunistas para o processo de governo dos dois países", indicou a diplomacia americana.
De acordo com a Casa Branca, o diplomata da Santa Sé via "a salvação da Itália e da Europa do marxismo por meio do processo de integração europeia e, portanto, tem sido um firme defensor da unidade europeia". "Nesse contexto, o Vaticano saudou o recente e forte endosso do presidente Carter à integração europeia", completou. Casaroli tinha sido o principal formulador da política externa do Vaticano para os regimes comunistas e sua relação com o governo americano era considerada como estratégica.
Guerrilha em El Salvador e apelo à Igreja contra as esquerdas
A coordenação ia muito além da realidade europeia. Num documento enviado pelo representante de Segurança Nacional, Brzezinski, ao presidente Jimmy Carter em 29 de janeiro de 1980, a sugestão era para que a Casa Branca convencesse o Vaticano a atuar numa solução política para impedir a tomada do país por comunistas.
"A CIA redigiu um relatório que descreve o crescimento extraordinariamente rápido dos grupos guerrilheiros e de suas organizações populares de fachada em El Salvador no ano passado", alertou. "Os insurgentes radicais cresceram de 200 em 1977 para mais de 2.000 atualmente. Por meio de sequestros em 1979, esses grupos podem ter acumulado US$ 40 milhões para armas e operações", disse.
"Com a influência pessoal de Fidel Castro, os dois principais grupos guerrilheiros, suas organizações de fachada e o Partido Comunista Salvadorenho se fundiram este mês, dando-lhes mais força", apontou.
A CIA concluiu que "se o apoio externo aos insurgentes for a metade do que foi na Nicarágua, os extremistas em El Salvador têm uma chance melhor do que a média de tomar e manter o poder após a anarquia e a violência que semearão".
Diante da situação, a Casa Branca delineou um plano. Nele, ficava estabelecido que o Departamento de Estado prepararia um relatório "sugerindo maneiras de dividir os grupos extremistas e persuadir os grupos de esquerda moderada a dar seu apoio à junta".
Uma segunda parte da estratégia seria "incentivar as autoridades do Vaticano a tentar influenciar o arcebispo Oscar Romero, de El Salvador, a apoiar mudanças moderadas por meio da nova junta".
Mas o até então moderado arcebispo começou a levantar sua voz, denunciando o governo de direita, inclusive o governo dos Estados Unidos, que fornecia armas. Em suas homilias, dom Romero apresentava listas semanais de pessoas desaparecidas, torturadas ou assassinadas, que contavam com mais ouvintes do que em qualquer outro programa de rádio do país.
Dois meses depois do informe da CIA, no dia 24 de março de 1980, Romero seria assassinado ao terminar uma homilia.
Tentativa de assassinato do papa: foco na KGB
Um momento crítico na relação entre a Casa Branca e o Vaticano se deu quando João Paulo 2º sofreu uma tentativa de assassinato. O papa polonês havia se transformado num dos maiores críticos do comunismo.
Em 13 de maio de 1981, o turco Ali Agca deu dois tiros no pontífice - um dos quais atingiu seu abdômen - enquanto ele cruzava a praça de São Pedro em carro aberto. Uma das teses era de que ele agia em nome do serviço secreto búlgaro, apoiado por Moscou.
Num informe da CIA de dezembro de 1984, os espiões americanos apontavam para o gesto dos soviéticos em tentar frear a pressão contra seus aliados búlgaros.
"Moscou participou ativamente da assistência a Sofia", disse. "Em dezembro de 1982, o encarregado soviético em Roma ameaçou oficialmente congelar os contatos bilaterais de alto nível se a campanha italiana continuasse. Ao mesmo tempo, o encarregado soviético em Washington emitiu um protesto excepcionalmente duro, alegando que as alegações faziam parte de uma campanha caluniosa dos EUA contra a Bulgária e a URSS", destacou.
"De acordo com a Embaixada dos EUA em Paris, Moscou aparentemente também contou com o apoio do Partido Comunista Francês para compensar a publicidade internacional negativa. Em ataques separados, mas coordenados, no final de 1982, o Partido Comunista Francês e a Embaixada Soviética em Paris criticaram duramente a mídia francesa por "caluniar" a URSS e seus aliados", destacou
Segundo o informe da CIA, a "KGB aparentemente também usou medidas ativas para ajudar seu aliado". "Por exemplo, em meados de 1983, uma revista italiana de esquerda publicou dois telegramas forjados da Embaixada dos EUA — semelhantes em padrão a outras falsificações da KGB". Neles, seria revelada uma suposta "operação" dos EUA para implicar os búlgaros no ataque contra o papa.
Num julgamento, em 1986, os promotores tentaram provar, sem sucesso, que Agca teria sido contratado pelo serviço secreto búlgaro a mando da União Soviética. O julgamento da chamada "conexão búlgara" acabou com a absolvição de três turcos e três búlgaros acusados de conspirar com Agca.
Gorbachev e o papa
A aliança entre o Vaticano e o governo americano contra o comunismo foi mantida até os últimos dias da URSS. Uma minuta de um encontro confidencial realizado em 21 de maio de 1987 em Washington revela que Reagan queria falar com João Paulo 2º sobre seus encontros com Mikhail Gorbachev.
"O presidente vai querer compartilhar (com o papa) suas impressões sobre Gorbachev e sobre o rumo que podemos tomar nas relações Leste-Oeste", disse o secretário de Estado, George Shultz. "O papa irá para a Polônia logo após a reunião com o presidente e certamente desejará discutir essa viagem", explicou o chefe da diplomacia americana num encontro com o secretário de Defesa Caspar Weinberger, o procurador-geral Edwin Meese, e o diretor da CIA, Robert Gates.
Preservar a aliança
Não por acaso, no dia 15 de abril de 2005, a embaixada dos EUA no Vaticano se apressou em avisar Washington que, diante da morte do aliado João Paulo 2º, o novo conclave abriria uma nova era no Vaticano. A recomendação, porém, foi explícita sobre a necessidade de que o então governo de George W. Bush iniciasse uma operação política de aproximação com o novo pontífice.
"Independentemente de quem for eleito papa nos próximos dias, os EUA e a Santa Sé continuarão a compartilhar interesses comuns em promover a dignidade humana, a liberdade, a democracia e o desenvolvimento sustentável, acabar com as divisões religiosas e culturais e defender os desfavorecidos e oprimidos", disse a diplomacia americana. "O novo papa inevitavelmente trará um novo estilo e temperamento ao papado, e trará um conjunto diferente de experiências históricas e culturais que moldarão sua visão de mundo e atitude em relação aos EUA", afirmou.
"Devemos nos aproximar logo no início do novo pontificado com uma visita de alto nível que possa começar a moldar uma agenda comum sobre as questões em que compartilhamos objetivos semelhantes, particularmente na promoção da democracia e da liberdade religiosa, superando o terror, avançando o processo de paz no Oriente Médio, estabilizando o Iraque e enfrentando desafios humanitários e de desenvolvimento", completou.
38 comentários
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Genevaldo Ferreira
Tanto a direita quanto a esquerda produzem políticos ruins e políticos razoáveis. Mas o que a matéria escancara — e põe fim de vez — é ao delírio dos extremistas que insistem em rotular o Partido Democrata americano como ‘esquerdista’. Quem propaga essa ideia não é apenas extremista: é um alienado político, perdido em fantasias, completamente desconectado da realidade. Os fatos são inegáveis: desde 1958, Democratas e Republicanos se alternaram no poder de maneira equilibrada, resultando em um empate na quantidade de mandatos. A história recente dos Estados Unidos desmente categoricamente essa narrativa rasa e delirante.
Altamir Figueira
Claro que a liberdade de expressão não pode impedir ninguém de dar palpites. Mas será que todos esses "especialistas" em assuntos da Igreja são católicos? Considero que o assunto "Papa" é de EXCLUSIVIDADE dos católicos. Qual a razão de tantos enxeridos?
Luiz Fernando de Oliveira
A esquerda esta destruindo o mundo, qualquer combate é valido.