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Com apoio do Brasil, Santa Sé obtém status oficial na OMS e preocupa grupos
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Resumo da notícia
- Como observador, Vaticano poderá fazer lobby e influenciar debates
- Temor de ativistas de direitos humanos é de que presença reforce pressão contra direitos reprodutivos em saúde e educação sexual
- Grupos acreditam que papel do Vaticano na pandemia criou contexto para obter novo status em saúde global
A Santa Sé obteve o status de observador na OMS (Organização Mundial da Saúde), numa decisão que contou com o apoio do Brasil e outros 70 países, muitos deles da América Latina.
A decisão foi adotada nesta semana pela Assembleia Mundial da Saúde e, na prática, amplia a influência do Vaticano nos debates sobre saúde global, principalmente no que se refere às pautas como educação sexual e direitos reprodutivos.
Essas também são pautas vetadas pelo governo de Jair Bolsonaro nos organismos internacionais e, para observadores, a maior atuação da Santa Sé nesses debates reforça a postura liderada pela ministra Damares Alves.
Num comunicado de imprensa, a Igreja indicou que a adesão "formaliza a participação da Santa Sé nos trabalhos da OMS". "A decisão reflete a relação entre a Santa Sé e a organização desde 1953 e é testemunha do compromisso da família de nações em lidar, pelo diálogo, com desafios de saúde global que afetam a humanidade", diz.
Se a adesão formal do Vaticano foi proposta pelo governo da Itália, o projeto contou com o apoio da Polônia, diversos governos latino-americanos e mesmo países como a Arábia Saudita.
Ainda que a adesão apenas repita o status que o Vaticano já tem na ONU, ativistas de direitos humanos receberam a notícia com preocupação.
Stefano Fabeni, diretor-executivo de entidade Synergia, teme que a formalização da Santa Sé nos debates da OMS seja o caminho usado pela Igreja para "atacar e negar direitos para pessoas transgênero".
De acordo com ele, a Santa Sé já tem usado esse status em outras organizações para se opor e influenciar o debate sobre direitos da mulher, educação sexual e direitos reprodutivos.
Fabeni ainda vê uma relação entre dois episódios em 2019 que poderiam explicar a decisão de promover uma adesão do Vaticano.
Naquele ano, a OMS retirou o caráter de patologia da condição de transgênero. Mas, no mesmo ano, a Santa Sé publicou um documento com fortes traços conservadores sobre a questão de gênero e que foi interpretada como um "ataque contra transgênero".
"O momento em que a Igreja Católica ataca pessoas transgênero, com documentos oficiais e com seus lobby em um número de espaços internacionais, é exatamente o momento em que a instituição pede um observador permanente na OMS, que é justamente o órgão que lida com esses assuntos", disse.
Fabeni ainda destaca como a adesão neste momento ocorre num momento ideal para o Vaticano. O especialista lembra como o apoio do papa Francisco à OMS e à iniciativa Covax deram uma "oportunidade" para que esse novo status fosse formalizado. "Sabemos que é o melhor momento para fazer isso", disse.
Forças ultraconservadoras da Igreja atuam no governo
A coordenadora do Sexuality Policy Watch, Sonia Corrêa, vai na mesma linha e aponta como, de fato, "o contexto da pandemia favoreceu a demanda do Vaticano por uma formalização de seu status na OMS".
Para ela, ainda que a Igreja tenha tido um papel importante em serviços de saúde ao longo da história e de poder ser, em tese, um ator legítimo para debater saúde, sua adesão é "muito preocupante".
Sonia cita pelo menos dois fatores para justificar essas posições. O primeiro foi a hesitação inicial do Vaticano em relação à pandemia, não bancando o distanciamento social ou uso de máscaras. Ela também aponta como forças católicas em diferentes países foram contra fechar cultos e até alimentaram as vozes contra vacinas.
A especialista ainda relata como a ala mais conservadora da Igreja teve um "comportamento lamentável" de rejeitar dar garantias de serviços de saúde reprodutivas.
"O caso brasileiro é o mais cabal", disse Sonia, destacando o envolvimento desses grupos dentro do governo de Jair Bolsonaro.
Ela lembra como um grupo técnico foi demitido pelo governo federal depois de emitir uma nota técnica no qual apontava para a necessidade de manter às brasileiras os serviços de saúde reprodutiva.
"São fatos muito graves", disse. "Na OMS, a Santa Sé deveria deixar claro para os países membros e a sociedade em geral que não irá, enquanto observadora, favorecer esse tipo de posição, que é contrária e nefasta do ponto de vista de uma perspectiva democrática e de base científica de respostas de saúde pública", completou a especialista.
O alerta da brasileira é compartilhada por outras especialistas. "Embora a formalização do status de observador permanente da Santa Sé na Organização Mundial da Saúde não altere efetivamente nenhum dos privilégios que este órgão religioso tem mantido desde 1953, o que ele faz é tornar mais difícil desafiar a própria participação do Vaticano neste sistema de saúde multilateral", disse Gillian Kane, uma das referências no tema e representante da entidade Ipas - Health. Access. Rights.
"Muitas outras religiões trabalham no campo da saúde, mas nenhuma tem direito ao grau de influência que a Igreja Católica tem", aponta.
"O que torna isso mais preocupante são as posições regressivas da Igreja sobre a saúde da mulher e os direitos humanos, e sua recusa em proporcionar ou apoiar o acesso das mulheres à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos", completa.
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