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No luxo suíço, líder afegão mostrava desconexão com realidade
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Era ainda o final de 2018 e a briga pelo poder no Afeganistão entre forças democráticas era intensa. Num dos hotéis mais luxuosos de Genebra, Abdullah Abdullah estava hospedado em uma suíte presidencial.
Tratava-se do chefe do governo de Cabul, que me recebeu para uma conversa de uma hora num quarto cuja diária ultrapassava a marca de 12 mil dólares.
Para que um afegão médio pudesse pagar por uma única noite naquele local com uma vista privilegiada sobre os Alpes, precisaria de cinco anos de trabalho. Para mais de 50% das pessoas, aquela noite exigiria mais de dez anos.
O Afeganistão continua sendo um dos países mais pobres do mundo, apesar dos trilhões despejados pelo Ocidente. Abdullah vestia um terno impecável, com uma gravata rosa de seda. Ao seu lado, num verdadeiro apartamento de luxo, estava uma mesa repleta de comida, enquanto seu staff e membros da delegação circulavam com os modelos mais modernos de celulares e laptops.
A desconexão com a realidade de seu próprio país não se limitava ao local e nem ao luxo oferecido ao chefe do governo. Ao começar a explicar a situação de seu governo, o discurso era de que existia espaço para uma participação do Taleban na reconstrução do país. Mas na aposta de que iria abrir mão da violência.
Abdullah Abdullah é um dos líderes históricos do país. Em 2009, ele concorreu à presidência, mas ficou em segundo lugar num pleito vencido por Hamid Karzai. Em 2014, ele voltou a concorrer e venceu o primeiro turno, com 45% do total dos votos. Mas, acabou sendo derrotado na segunda votação por Ashraf Ghani.
Abdullah e mesmo entidades internacionais denunciaram a fraude no voto e, por três meses, intensas negociações tentaram tirar o país de uma série crise política. Por mediação dos americanos, um governo de união nacional foi criado. Ghani ficou com a presidência. Mas o governo ficou nas mãos de Abdullah.
Enquanto os dados oficiais revelam que apenas metade dos homens adultos sabem ler e um terço das mulheres têm esse privilégio, ainda que 40% da população esteja desempregada ou apenas façam bicos, o chefe do governo tinha uma visão de que seus eleitores "resistiam".
"Tudo começou com um golpe de Estado comunista, seguido pela invasão soviética. Depois, tivemos problemas internos e seguimos com Taleban e Al-Qaeda", disse. "O preço que a população pagou foi enorme. Mas, diante de todos esses problemas, o que se vê é a incrível resistência do povo afegão. Ainda temos milhões de refugiados, mas muito já foi feito. Hoje, temos liberdade de expressão, que é uma das grandes conquistas."
Naquele momento, o Taleban já controlava 45% do território afegão. Mas, para o chefe de governo, isso era apenas uma indicação de que o grupo tinha de fazer parte da reconstrução da paz no Afeganistão. "Mas, antes disso, eles precisam abrir mão da violência, de ligações com terroristas e fazer parte do processo político", disse.
Segundo ele, o diálogo precisava ocorrer e garantia que estava disposto a se sentar para conversar. "Temos de exigir algumas coisas. Mas não para que haja uma conversação direta. Como governo eleito, temos a responsabilidade de construir. E essa é uma responsabilidade maior que a de destruir. Eles rejeitaram essa ideia. Mas vamos insistir", defendia naquele momento.
Erro americano
Apesar do discurso favorável ao dialogo com o grupo radical, o chefe de governo não deixava dúvidas sobre o que pensava do gesto americano de se retirar do Afeganistão.
"Foi um erro. Para o Taleban e os terroristas que lutam contra nós, a percepção era a de que, depois de dois anos, eles voltariam ao controle. Portanto, eles pensavam que tudo o que tinham de fazer era deixar de perder homens e evitar o confronto contra forças internacionais para manter sua presença. Aqueles que os apoiavam também começaram a pensar que o Taleban voltaria e muitos países quiseram restabelecer contato com o grupo", disse.
"O anúncio americano criou incerteza. A transição não foi bem trabalhada. Os soldados passaram de 160 mil, no auge, para 10 mil. O impacto disso para a economia e para a segurança foi grande", constatou.
"Por 19 anos, nos mandaram tropas. Não é fácil. Pedimos que eles continuem a nos apoiar. A retirada das tropas tem de ser gradual", alertava naquele momento.
Hoje, Abdullah espera ser o enviado para negociar uma suposta transição política com o grupo radical, agora em seu trono. Mas a perspectiva de voltar ao luxo suíço parece ter se transformado em uma miragem de um processo fracassado e desconectado das necessidades de desenvolvimento social de um dos países mais pobres do mundo.
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