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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Sob Lula, acordo fechado por Bolsonaro com UE será revisto

Lula, o ex-ministros Celso Amorim e Aloizio Mercadante  - Divulgação/Instagram Luiz Inácio Lula da Silva
Lula, o ex-ministros Celso Amorim e Aloizio Mercadante Imagem: Divulgação/Instagram Luiz Inácio Lula da Silva

Colunista do UOL

20/11/2021 04h00

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinalizou, em sua passagem pela Europa, que o acordo comercial assinado por Jair Bolsonaro entre o Mercosul e a UE terá de ser reavaliado se ele voltar ao poder. Lula passou por quatro países europeus nesta semana, sendo recebido com honras de estado.

Mas não deixou de dizer claramente que o acordo assinado pelo atual presidente, em 2019, foi um "erro". O processo de negociação entre os dois blocos comerciais começou em 1999 e, por 20 anos, impasses e falta de flexibilidade por parte dos europeus marcaram as reuniões.

Em 2019, com apenas seis meses de governo, Bolsonaro apressou o processo e fechou a negociação, estabelecendo o fim de barreiras e impostos aduaneiros entre os dois blocos. O tratado nunca entrou em vigor, diante da recusa dos europeus em chancelar o governo brasileiro e sua política ambiental.

Mas, em declarações pela Europa, Lula sinalizou que, um eventual governo liderado por ele irá reavaliar as bases do tratado. Segundo o brasileiro, da forma que está, o tratado poderia levar a uma desindustrialização do Brasil. Lula chamou o acordo de "precipitado". "Devemos levar em conta as necessidades dos países", disse.

"Os parceiros europeus precisam entender que nós devemos exportar produtos acabados que tenham maior valor agregado para que possamos avançar", disse. "Não queremos apenas exportar soja, milho e minérios".

Lula ainda deixou claro que "depois de 2022, após o processo de eleição em diferentes países, será necessário sentar-se em torno de uma mesa" para repensar o acordo. Além da eleição no Brasil, a França também passa por um processo eleitoral e Paris é considerado como um dos principais entraves para um acordo mais equilibrado com o Mercosul.

No governo brasileiro, diplomatas confessam que o acordo assinado por Bolsonaro em 2019 ficou abaixo do que tradicionalmente os exportadores nacionais solicitavam como acesso ao mercado europeu.

Fontes dentro do próprio governo indicam que, para falsamente fazer crer que havia sido capaz de negociar um acordo com a UE, Bolsonaro e Paulo Guedes entregaram setores estratégicos e aceitaram algumas poucas quotas adicionais de exportação de produtos agrícolas.

Hoje, negociadores admitem que a UE conseguiu impor a Bolsonaro um conjunto de exigências que abririam o Brasil rapidamente às exportações industriais europeias. Em outras palavras, o Acordo representaria um acordo de livre comércio industrial, bom para a UE. Mas um acordo de limitação de comércio agrícola, ruim para o Brasil.

Os próprios dados da Comissão Europeia apontam para essa realidade. A cota dada para a carne bovina no Mercosul foi de 99 mil toneladas, menos de 1% que o Brasil produz anualmente. No que se refere à carne de frango, a cota de 180 mil toneladas concedida ao Mercosul representa apenas 1,2% do consumo da UE. Uma taxa similar é registrada para o açúcar. A cota negociada por Bolsonaro prevê o abastecimento de apenas 1% do consumo europeu.

"Não precisávamos entregar tudo"

O ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, também sugeriu uma revisão do tratado. "Nem está assinado ainda. É um pré-acordo e tem que ser assinado por parlamentos", disse o ex-chefe da diplomacia de Lula e e que esteve com o ex-presidente durante sua turnê pela Europa nesta semana.

"Lula foi um grande impulsionador da aproximação com a Europa", disse. "Eu tenho muitos anos de negociador. Mas uma coisa que um negociador não pode ter é pressa", alertou, numa referência à velocidade com que o governo Bolsonaro encerrou o processo a aceitou as condições europeias.

Segundo ele, em 2019, existia uma "pressa dupla". "Por um lado, o Brasil queria mostrar alguma coisa em política externa, por não ter uma política externa. Por outro lado, a Argentina queria reeleger Maurício Macri, e também precisava mostrar alguma coisa. O acordo foi muito mal negociado", explicou.

Amorim rejeita a ideia de abandonar um acordo comercial com a UE e insiste que o Brasil quer um tratado com os europeus. "A relação com a Europa é muito importante, inclusive do ponto de vista estratégico", disse. "Não podemos permitir que o mundo caia numa divisão entre EUA e China e cada um caia numa área de influência", insistiu.

"Mas não precisávamos entregar tudo em compras governamentais, serviços, propriedade intelectual e essas cotas ridículas, enquanto baixamos a zero nossas tarifas", lamentou.