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Com dívida inédita, Brasil corre risco de perder direito ao voto na FAO
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Resumo da notícia
- Governo fez depósitos de mais de R$ 3,5 bilhões na última semana para evitar a perda de direito ao voto em diferentes organismos internacionais
- Itamaraty admite que montante enviado para a FAO pode não ter sido suficiente para saldar dívida e risco de perda de voto é real
- Chancelaria negocia mais recursos com a pasta de Paulo Guedes
Um dos maiores produtores agrícolas do mundo e, até pouco tempo, líder na luta contra a fome, o Brasil vive uma situação constrangedora na FAO, a agência da ONU para a Agricultura. Sem completar o pagamento de sua contribuição obrigatória, o governo brasileiro começa o ano de 2022, em tese, com o risco de perder seu poder de voto na instituição.
Desde o início do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, o país parou de pagar a instituição de forma integral. A regra na entidade estabelece que, ao completar dois anos sem fazer depósitos completos, um governo perde seu direito ao voto nas decisões da instituição. Hoje, o Brasil contribui com cerca de 3% do orçamento da FAO e, se pagasse o que lhe corresponde, seria o oitavo maior contribuidor para o orçamento da instituição.
Procurado pela reportagem para comentar a situação, o Itamaraty explicou que houve uma mobilização para tentar quitar as dívidas com diferentes organismos internacionais na última semana. Sem o pagamento e diante de um saldo devedor inédito, o Brasil correria o risco de perder o direito ao voto em diferentes instituições.
"O Itamaraty busca permanentemente evitar que atrasos nos pagamentos de contribuições a organismos internacionais comprometam a atuação do Brasil. Nesse sentido, mantém estreita coordenação com o Ministério da Economia e com outros órgãos do governo federal, aos quais sinaliza regularmente as potenciais consequências decorrentes daquelas pendências financeiras", explicou.
"Esse esforço conjunto permitiu, na última semana, viabilizar pagamentos da ordem de R$ 846 milhões a organismos internacionais e R$ 2,8 bilhões a bancos e agências de fomento de 2021. Com isso, o País preserva sua capacidade de atuação em foros tais como ONU, UNESCO, OMC, OIT e OPAQ, entre outras", disse.
FAO é risco
Mas o governo admite que seu esforço pode não ter sido suficiente. "No caso da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil aguarda manifestação do secretariado sobre o recebimento dos montantes enviados nos dias 29 e 30 de dezembro. A efetiva disponibilização desses recursos depende de prazos de compensação bancária, bem como do câmbio vigente, inclusive porque a FAO emite faturas tanto em dólares quanto em euros", afirmou.
"Nesse contexto, é possível que os pagamentos brasileiros não tenham sido suficientes para saldar integralmente a contribuição do exercício 2019. Com vistas a neutralizar quaisquer impactos, o Ministério das Relações Exteriores já está em contato com o Ministério da Economia no sentido de priorizar novos pagamentos à FAO, tão logo haja disponibilidade de recursos", disse. De acordo com o Itamaraty, o direito a voto é restaurado "tão logo os países-membros quitem seus débitos em atraso".
De acordo com negociadores brasileiros, a perda de voto ainda não ocorreu na prática, ainda que em tese a suspensão já possa ser aplicada a partir do dia 1 de janeiro de 2022.
Neste ano, não há uma previsão de conferência da FAO, o que amenizaria o constrangimento para o Itamaraty. Mas, se uma crise surgir e uma reunião exigir a convocação de um voto, o Brasil pode ficar de fora de uma decisão.
O tema dos devedores ainda poderá entrar na agenda do Conselho Executivo da FAO, que irá deliberar sobre cada um dos governos com pendências.
Mesmo se acabar evitando a perda de seus direitos, a situação na qual o governo brasileiro se encontra é descrita por funcionários da agência como "vexame" e "reveladora" da atual política externa.
Para manter seus direitos plenos na FAO, o Brasil precisava pagar a soma dívidas acumuladas de US$ 2,5 milhões e 7,1 milhões de euros, referentes ao orçamento de 2019. Mas, segundo fontes em Brasília, apenas uma parcela desembarcou nos cofres da agência.
No orçamento da FAO, parte dos pagamentos é na moeda americana e uma segunda parcela é feira em euro, como forma de amenizar o impacto da variação cambial para o orçamento da instituição.
Mas a dívida vai muito além. Num comunicado enviado ao governo brasileiro cobrando pagamentos, a FAO detalhou a dimensão do buraco deixado pelo país.
O Brasil deve US$ 9,8 milhões e 5,5 milhões de euros, relativos ao ano de 2021. O governo também deve a mesma quantidade para o ano de 2020, tanto em euros como em dólares. Isso tudo sem contar com o valor de 7,9 milhões de dólares e 5,5 milhões de euros que o Brasil precisa pagar em 1 de janeiro, relativo às contribuições para o ano de 2022.
Somando todos os anos relatados no documento da FAO cobrando o governo, a dívida chega a US$ 23 milhões e 23,8 milhões de euros.
Em outro documento oficial da FAO, obtido pelo UOL, a entidade também constata que a dívida brasileira é a segunda maior entre todos os países que fazem parte da instituição.
Apenas o governo americano conta com um buraco maior. O que a Casa Branca deve chega a mais de US$ 110 milhões. A contribuição anual dos EUA, porém, é muito superior que a brasileira.
A crise de pagamentos do Brasil não se limita à situação na FAO. Na ONU, o governo também sofre para pagar. Mas, tendo sido eleito para o Conselho de Segurança da instituição, o governo teve de encontrar recursos para garantir a transferência de dinheiro para a ONU, antes do final do ano.
Fome
A crise diplomática na FAO ocorre no mesmo momento em que a instituição revela, em seus dados, um salto sem precedentes da fome no Brasil nos últimos 20 anos, enquanto o governo é denunciado por um desmonte das políticas de segurança alimentar.
De acordo com a informação coletada pela instituição, 24% dos brasileiros vivem um estágio de fome moderada, enquanto 8% atravessam uma situação de fome severa. Antes da pandemia, a taxa era de apenas 2,5%.
A FAO foi comandada pelo brasileiro José Graziano da Silva entre 2012 e meados de 2019. Graziano foi ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e considerado como pai do programa Fome Zero.
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