Trumpistas usam colapso do setor de sapatos em SP como alerta contra China
O Brasil é usado pela campanha de Donald Trump como exemplo de um "colapso" diante da falta de barreiras comerciais contra a China. Num documento que serve de bússola para o movimento ultraconservador e aliado do candidato publicano, os setor de calçados no Brasil é apontado como um exemplo do que pode ocorrer, caso tarifas não sejam aplicadas.
Trump já deixou claro que, se vencer as eleições na próxima terça-feira, irá reinstalar tarifas contra produtos estrangeiros, em especial contra os chineses. Em 2016, em seu primeiro mandato, o republicano abriu uma guerra comercial ao erguer baterias inéditas contra bens importados. O resultado foi uma tensão internacional.
Entre diplomatas estrangeiros, inclusive europeus, o temor é de que a nova onda protecionista seja ainda mais intensa.
Chamado de Projeto 2025, o documento com 920 páginas descreve ações concretas para, na prática, refundar o estado americano. A iniciativa é a concretização do esforço da extrema direita para estabelecer sua visão de governo e de sociedade. Os autores não escondem: esperam que as propostas façam parte de um eventual novo governo Trump, caso o republicano vença as eleições na próxima semana.
A ideia do projeto começou a ganhar forma em 2022, quando a entidade ultraconservadora Heritage Foundation reuniu mais de cem organizações. Diante de uma lista de polêmicas, Trump tentou se distanciar do projeto e dizer que não estava envolvido. Mas pelo menos 140 dos convidados a pensar o futuro dos EUA tinham trabalhado com Trump e, segundo Kamala, trata-se do próprio plano de governo dos grupos mais leais ao republicano.
No capítulo comercial, fica explícita a intenção de criar tarifas e barreiras, principalmente contra chineses.
Segundo o texto, desde 2005, os bancos estatais chineses emitiram US$ 138 bilhões em empréstimos para países da América Latina, e outras entidades chinesas investiram mais US$ 140 bilhões.
"Os projetos financiados pela China são conhecidos por empregarem práticas trabalhistas e ambientais abaixo do padrão, alimentarem a corrupção, promoverem decisões financeiras perdulárias por parte dos governos, promoverem os interesses geoestratégicos da China e criarem uma relação comercial desigual, na qual a China obtém matérias-primas de países em desenvolvimento e vende produtos manufaturados a esses países", disse.
"Por exemplo, o Brasil, líder mundial na produção de calçados, viu seu setor entrar em colapso sob uma enxurrada de importações chinesas baratas", destacou o documento da campanha de Trump.
"A penetração mercantilista da China no mundo em desenvolvimento e as consequências negativas para o crescimento econômico saudável dos países em desenvolvimento prejudicaram as relações estratégicas dos EUA nesses países e desperdiçaram bilhões em ajuda externa dos EUA", afirmou.
A partir de 1991, a abertura do mercado brasileiro criou de fato um choque, principalmente para o setor de calçados de Franca e Vale dos Sinos. No espaço de uma década, a importação de sapatos se multiplicou por oito e parte das empresas acabou migrando do Sudeste, na procura de incentivos fiscais no Nordeste. As exportações, entre 1991 e 1999, sofreram uma contração de 15%.
Mas a balança comercial continuou positiva e, ao contrário da descrição dos americanos, o setor não acabou. Em 2004, o Brasil já era o quinto maior exportador mundial de sapatos. Em 2013, Franca empregava 23 mil trabalhadores formais, de acordo com o Sindicato da Indústria de Calçados de Franca.
Hoje, um sapato sofre uma tarifa de importação de 35% e o calçado chinês que entra no Brasil paga uma sobretaxa de US$ 10,22 por par. Mesmo assim, o setor insiste que vem presenciando uma "invasão" que colocado em risco a produção da indústria nacional.
Protecionismo brasileiro
O Brasil é ainda usado como exemplo da suposta injustiça que existe no sistema comercial contra os americanos. Ao explicar as regras de tarifas da OMC (Organização Mundial do Comércio), o documento alerta que o setor automotivo americano conta com barreiras de importação de apenas 2,5%, contra 15% na China e 35% no Brasil.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPara eles, portanto, os EUA são "desproporcionalmente afetados" pelo regime comercial da OMC.
Trump, em seu primeiro mandato, levou a OMC à paralisia ao vetar a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação, uma espécie de tribunal mundial do comércio. Às vésperas da tomada de posse de Trump, a reportagem do UOL questionou o então diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, como ele avaliava os ataques do republicano contra a entidade. O brasileiro minimizou, alegando que muito era apenas um discurso de campanha.
Desde então, a organização foi relegada ao esquecimento.
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