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Em 1ª decisão sobre covid, Tribunal Internacional arquiva investigação
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Numa decisão que poderá indicar uma tendência e que está sendo alvo de um detalhado exame por parte de juristas, o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, decidiu não dar prosseguimento às investigações de possíveis crimes contra a humanidade na Bolívia em 2020. Mas foi sua explicação sobre o tratamento de denúncias sobre a covid-19 que chamou a atenção de diplomatas, observadores e juristas, sugerindo o caminho que a Corte vai tomar em futuros casos envolvendo a pandemia.
Nos últimos dois anos, o presidente Jair Bolsonaro foi alvo de pelo menos cinco denúncias por sua gestão da pandemia. Na semana passada, foi a CPI da covid-19 que entregou à Corte em Haia o resultado da investigação, pedindo a abertura de um processo formal
Na Holanda, porém, a decisão anunciada nesta semana foi acompanhada com atenção, por ser uma primeira indicação de como Khan poderia tratar de denúncias envolvendo a covid-19. A queixa em questão foi apresentada pelo novo governo boliviano, sustentando que protestos organizados em 2020 por grupos políticos que faziam oposição ao ex-presidente Evo Morales cometeram crimes.
Não significa que ele adotará a mesma lógica para outros casos ou na avaliação sobre Bolsonaro. Mas, entre juristas que acompanham a corte, a decisão está sendo estudada com lupa.
A alegação dos bolivianos era de que, ao estabelecer bloqueios e impedir o acesso da população aos serviços de saúde, os organizadores do protesto deveriam ser julgados por crimes contra a humanidade. Segundo eles, pelo menos 40 pessoas morreram de covid-19 por conta da ação da oposição, que acabou derrubando Morales.
"É alegado que mais de 40 indivíduos, necessitados de oxigênio médico e acesso a atendimento hospitalar devido ao Covid-19, morreram como resultado do bloqueio de agosto de 2020 para evitar que o oxigênio e as ambulâncias chegassem aos hospitais, e que tais mortes sob as circunstâncias constituem assassinato", diz a decisão do procurador.
Ao impedir o acesso da população boliviana aos suprimentos e serviços de saúde pública através dos bloqueios, a queixa sustentava ainda que os manifestantes causaram deliberadamente outros danos graves que correspondem a outros atos desumanos contra a população.
De acordo com a acusação, os manifestantes, liderados pela oposição, causaram supostamente "graves danos à capacidade do país de responder à crise da covid-19 e danos ao público, inclusive causando mortes, ao impedir a passagem de oxigênio medicinal e ambulâncias transportando medicamentos".
Houve ainda a acusação de que ocorreram supostamente "esforços deliberados dos manifestantes para impedir que a população tenha acesso a suprimentos e serviços de saúde pública - como um ataque geral "sistemático e organizado" contra a população civil".
Denúncia rejeitada
Mas a Procuradoria-Geral de Haia rejeitou o argumento e arquivou o caso. "As informações disponíveis, entretanto, não fornecem uma base razoável para acreditar que crimes contra a humanidade nos termos do artigo 7 do Estatuto de Roma foram cometidos na Bolívia em conexão com os bloqueios de estradas realizados em locais em todo o país entre 3 e 14 de agosto de 2020", disse.
Segundo a procuradoria, mesmo que se considere que a conduta dos manifestantes possa equivaler a assassinato e outros atos desumanos, as informações disponíveis "não demonstram a existência de um "ataque" e de uma "política" contra uma população específica.
Para juristas e observadores da Corte, essa explicação de Khan pode ser a chave para entender de que forma o procurador irá considerar outros casos. No contexto da pandemia, um processo apenas seria aberto se houver sinais de atos deliberados de ataques contra uma população.
"Enquanto alguns grupos de manifestantes podem ter agido com descuido em relação à saúde e ao bem-estar daqueles que necessitam de tratamento médico oportuno, a conduta geral dos manifestantes não revela um padrão claro de comportamento que sugira os próprios bloqueios - ou atos relevantes cometidos em seu curso - fizeram parte de uma campanha deliberada dirigida contra a população boliviana, ou especificamente contra aqueles particularmente afetados ou em risco como resultado da pandemia", conclui Khan.
De acordo com o procurador, as informações disponíveis não fornecem uma base razoável para acreditar que os supostos atos atribuídos aos envolvidos nos bloqueios de estradas constituem um "curso de conduta contra a população civil, de acordo com uma política organizada, ou em seu fomento, para qualificar como um "ataque".
Impacto sobre casos envolvendo Bolsonaro?
Na Corte, cada caso é tratado de forma isolada e as evidências são examinadas de maneira independente. Mas o argumento usado pelo procurador-geral abriu um debate sobre como ele trataria casos de denúncia contra gestores diante da pandemia, entre eles o presidente Jair Bolsonaro.
O brasileiro foi alvo de diversas denúncias ao Tribunal, desde 2020. Se algumas falam de casos específicos de ataques contra indígenas - o que poderia ter mais chances de ser examinada - outros argumentam que seu governo foi responsável por parte das mortes na covid-19 por não agir, permitir a circulação do vírus, por cortar recursos, deixar de comprar vacinas ou disseminar desinformação.
Observadores apontam que o procurador, ao arquivar o caso boliviano, indicou que qualquer denúncia relacionada com a covid-19 terá de demonstrar que o suspeito teve a intenção deliberada de usar o vírus contra uma população. Caso contrário, ele hesitará em dar seguimento aos processos.
Em Haia, fontes ainda apontam que a decisão sobre a Bolívia não necessariamente representará um arquivamento dos casos contra Bolsonaro. Grupos que defendem a abertura de processos acreditam que existem importantes diferenças entre os casos e evidências suficientes de que a omissão nas políticas públicas estava relacionada com uma política deliberada e que gerou a morte de mais de 630 mil pessoas.
Também existe uma grande esperança diante da possibilidade de que Khan use justamente o caso brasileiro para inaugurar uma nova fase no Tribunal, avaliando denúncias contra povos indígenas e a destruição do meio ambiente.
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