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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Guerra gera racha entre Brasil e potências ocidentais no G20

Colunista do UOL

19/03/2022 04h00

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O governo brasileiro se une a outros países em desenvolvimento para tentar blindar as organizações internacionais contra a ofensiva de Estados Unidos e Europa contra a Rússia. O temor do Itamaraty é de que, na lógica de isolar Vladimir Putin, a pressão internacional acabe sequestrando as agências técnicas da ONU (Organização das Nações Unidas), além do trabalho do G20 e outros organismos.

O racha entre as potências ocidentais e os emergentes já ficou claro em alguns fóruns internacionais e, segundo fontes diplomáticas, a tensão pode aumentar à medida que a guerra na Ucrânia se prolongue.

Desde o início da guerra, o Brasil adotou uma postura de votar pela aprovação de resoluções que condenavam o ataque russo. Isso aconteceu no Conselho de Segurança da ONU, na Assembleia Geral e no Conselho de Direitos Humanos. Em discursos, o Itamaraty deixou claro que nada justificava a invasão de um outro país por parte da Rússia e nem rasgar a Carta das Nações Unidas.

Mas a ofensiva liderada por americanos e europeus de neutralizar Moscou foi ampliada e a ordem na diplomacia desses países é a de usar todas as entidades para condenar a Rússia e conseguir seu isolamento político. A meta é não apenas a de sufocar economicamente o Kremlin mas também transformar Vladimir Putin em um pária internacional.

Para isso, americanos e europeus têm liderado uma verdadeira guerra nos bastidores, buscando apoios para que resoluções e medidas sejam adotadas em todos os organismos internacionais e fóruns de debate.

Se o Brasil concorda que a Rússia violou o direito internacional, a preocupação no governo é de que tal movimento acabe contaminando os trabalhos técnicos das entidades que lidam com temas específicos como saúde, educação ou telecomunicações.

Um dos focos é ainda o G20, considerado como o diretório do planeta e onde as maiores economias se reúnem para definir o destino do cenário internacional.

De acordo com fontes do alto escalão do Itamaraty, os diplomatas brasileiros estão trabalhando diariamente para manter o G20 intacto. Ou seja, evitar que o grupo passe a ser instrumentalizado por EUA e Europa para pressionar Putin e que seu mandato seja preservado.

O Brasil, neste ano, está atuando ao lado da Indonésia, que hoje está na presidência do G20 e também defende que o grupo seja mantido como um foro de cooperação econômica e de desenvolvimento, mantendo seus trabalhos.

Tanto o Brasil como a Indonésia votaram da mesma forma na Assembleia Geral da ONU.

Mas, segundo fontes no Planalto, frente a um movimento descrito como sendo de "sequestro" dos organismos internacionais, ambos estão trabalhando para preservar o G20 e o sistema multilateral.

Na avaliação do Brasil, tais espaços precisam continuar sendo "inclusivos e plurais" para dar conta das urgências humanitárias que a guerra está causando, tanto no aspecto de energia como alimentação.

O mesmo vale para a OMC e organizações multilaterais especializadas e técnicas. Na agência de comércio, por exemplo, uma aliança foi montada por americanos e europeus para retirar da Rússia direitos comerciais. Mas nem Brasil, Índia, China, África do Sul e outros emergentes se uniram à iniciativa.

Nesta semana, na Unesco, o Brasil adotou uma postura de abstenção em uma resolução que propunha condenar a Rússia por ataques contra a liberdade de expressão, cultura e educação na guerra. Ao lado do Brasil estavam ainda países como China, Índia e África do Sul.

Mais uma vez, o objetivo da abstenção era o de não chancelar o movimento de americanos e europeus de usar a entidade como instrumento de pressão sobre Moscou.

Mesmo na FAO, o governo brasileiro quer liderar um pedido para que fertilizantes possam ser excluídos da lista de embargos contra a Rússia. Brasília, pressionada pelo agronegócio, irá alegar que tais medidas ameaçam ampliar a fome no mundo.

Na próxima semana, na OIT (Organização Internacional do Trabalho), uma vez mais potências ocidentais vão tentar passar uma resolução contra a Rússia, colocando os emergentes em um teste.

Manipulação russa

Entre diplomatas europeus, há uma compreensão de que a posição brasileira e de outros emergentes poderia fazer sentido. Mas, segundo capitais europeias, um risco maior que o uso das entidades internacionais é a invasão promovida por Putin e a ameaça que ele representa para a segurança europeia.

Um outro temor por parte dos europeus é de que essa postura dos emergentes enfraqueça a mobilização internacional para punir o Kremlin pelos crimes cometidos na Ucrânia e que permita brechas para que Putin mantenha uma invasão que a Corte Internacional de Justiça já declarou que precisa ser encerrada de forma imediata.

Para os europeus, o próprio governo russo já está se utilizando desse racha na comunidade internacional para dizer à sua população de que não existe um isolamento internacional do país.