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Jamil Chade

REPORTAGEM

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ONU: Mineração na Amazônia será "catastrófica" para bilhões de pessoas

18.03.2022 - O presidente, Jair Bolsonaro (PL), usa cocar após cerimônia em que recebeu a Medalha do Mérito Indígena, no Ministério da Justiça, em Brasília. - REUTERS / Adriano Machado
18.03.2022 - O presidente, Jair Bolsonaro (PL), usa cocar após cerimônia em que recebeu a Medalha do Mérito Indígena, no Ministério da Justiça, em Brasília. Imagem: REUTERS / Adriano Machado

Colunista do UOL

15/04/2022 10h48

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Numa carta enviada ao governo brasileiro, relatores e grupos de trabalho da ONU se unem para alertar que uma eventual aprovação do projeto de lei 191/2020 que autoriza a mineração em terras indígenas teria consequências "catastrófica" tanto para as etnias na região, para o meio ambiente e para bilhões de pessoas pelo mundo. O projeto é uma das principais bandeiras do governo Jair Bolsonaro.

O documento, obtido pelo UOL, foi enviado no dia 12 de abril e pede explicações ao governo sobre como irá lidar com a expulsão de indígenas de suas terras, uma vez que sejam alvos de projetos de mineração, e como tais grupos terão seus interesses considerados antes que a votação da lei possa ocorrer.

A carta foi assinada pela presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre assuntos de direitos humanos e empresas transnacionais, El?bieta Karska, assim como pelos relatores Saad Alfarargi, David R. Boyd, Tlaleng Mofokeng, José Francisco Cali Tzay, Marcos Orellana e Pedro Arrojo-Agudo.

Os especialistas da ONU afirmam estar "preocupados com o impacto adverso que este projeto de legislação, se adotado, teria sobre o gozo dos direitos humanos, incluindo os direitos à vida; saúde; água potável segura e saneamento; habitação; a ambiente limpo, saudável e sustentável; e os direitos dos povos indígenas".

Para eles, a lei "contrariaria as medidas e compromissos atuais" que o estado brasileiro assumiu em diversos tratados internacionais.

Em março, a Câmara dos Deputados foi aprovada a inclusão do texto do projeto de lei como sendo de caráter urgente e sob o argumento de que o conflito na Ucrânia e as dificuldades relacionadas à importação de fertilizantes feitos com potássio da Rússia poderiam, em parte, ser solucionados graças ao potássio na região da Amazônia.

Para os relatores da ONU, porém, atividades minerais, hidrocarbonetos e hidrelétrica em terras indígenas "poderiam gerar grandes problemas ambientais", além da degradação de terras indígenas e o impacto potencial em mais de 863.000 km2 de floresta tropical.

"A exploração da Amazônia nas terras dos povos indígenas apresenta um risco catastrófico para os povos indígenas que lá vivem, mas também para a biodiversidade e para outros bilhões de pessoas, já que a floresta amazônica é fundamental para o apoio equilíbrio e um clima estável", alertam.

Em dez páginas, os relatores da ONU descrevem em detalhes as violações que estariam sendo cometidas por cada uma das partes do projeto de lei. "Estamos ainda preocupados que o projeto de lei não preveja nenhuma além das salvaguardas já existentes, considerando o impacto potencial vindas da aplicação do projeto de lei para os povos indígenas e do projeto crítico importância da Amazônia", disseram.

Um dos elementos centrais é a exclusão de grupos indígenas do debate sobre a lei. "O projeto de lei também permite o Presidente apresentar um pedido de autorização para realizar as atividades, mesmo se os povos indígenas não consentiram em um projeto. Portanto, o projeto de lei viola as obrigações do Estado de consultar os povos indígenas interessados, através de suas instituições representativas, a fim de obter seu consenso", indicaram.

Outro impacto seria a expulsão de indígenas de suas regiões. "Se o projeto de lei fosse transformado em lei, isso causaria o involuntário despejo dos povos indígenas de suas terras. Deve-se notar que o artigo 231 parágrafo 5 da Constituição proíbe a remoção dos povos indígenas de suas terras, exceto no caso de uma catástrofe ou de uma epidemia que represente um risco para a população, ou no interesse da soberania do país, após uma decisão do Congresso Nacional", alertam.

Em resposta curta, governo diz que falar em consequências é "prematuro"

Nesta quinta-feira, o governo brasileiro enviou uma resposta aos relatores da ONU. Mas usou apenas uma página e meia para esclarecer as preocupações internacionais e insistiu que "o governo brasileiro considera que é prematuro desenhar conclusões sobre o Projeto de Lei 191/2020". "O governo brasileiro continua totalmente comprometido com a proteção dos direitos dos povos indígenas, de acordo com todos os seus deveres legais, tanto nacionais como nível internacional", disse.

Segundo o Itamaraty, "a Constituição brasileira protege os direitos dos povos indígenas a seus direitos sociais organização, costumes, línguas, crenças e tradições, assim como seu direito original às terras tradicionalmente ocupam".

"O governo considera que a falta de regulamentação tem gerado incerteza jurídica ao longo dos anos e trazido consequências negativas para o país, como a subutilização de seu potencial de mineração e energia, a perda em emprego, renda e receita tributária, a proliferação de atividades ilegais de mineração e extração de madeira, e riscos desnecessários para a vida, a saúde e a cultura dos povos indígenas", alegou.

O governo também insiste que está agindo dentro da lei. "Ao submeter ao Congresso o Projeto de Lei 191/2020, o Governo Federal está cumprindo sua obrigação constitucional, ou seja, de buscar autorização prévia da Legislatura Nacional para regular atividades econômicas lícitas em terras indígenas. Entre outras medidas, o projeto propõe critérios para consulta prévia com as comunidades indígenas afetadas, regulamentos para compartilhamento de renda pelas comunidades indígenas derivada de atividades econômicas empreendidas em suas terras, estruturas de governança para a gestão de recursos financeiros por indígenas e procedimentos administrativos para autorização pelo Congresso Nacional", disse.

O governo Bolsonaro também insiste que o debate com a sociedade está ocorrendo. "O Executivo Federal respeita plenamente as prerrogativas legais do Poder Legislativo de promover as discussões e debates necessários do Projeto de Lei, de forma democrática e inclusiva. Diferentes níveis de governo, sociedade civil, organizações de direitos humanos, especialistas, o privado setor e outras partes interessadas podem participar do processo de elaboração da lei, diretamente ou através de seus representantes eleitos. Suas vozes são ouvidas e seus pontos de vista são levados em consideração", garantiu.

"O governo brasileiro está confiante de que o debate democrático e inclusivo realizado no Congresso desde que o Projeto de Lei foi apresentado em fevereiro de 2020 poderá abordar as preocupações levantadas pelas partes interessadas relevantes, incluindo os povos indígenas", completou o Itamaraty.