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Jamil Chade

REPORTAGEM

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200 anos: Governo cancela evento de autor que denuncia fascismo no Brasil

Palácio Itamaraty - Ueslei Marcelino
Palácio Itamaraty Imagem: Ueslei Marcelino

Colunista do UOL

16/09/2022 10h49

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O Itamaraty cancelou um evento em Madri onde um livro seria debatido, no âmbito das comemorações dos 200 anos da independência do Brasil. O incidente ocorreu quando os autores já estavam na capital espanhola e 24 horas após a inclusão no programa oficial de uma referência ao fato de ele ser o escritor de uma obra que denunciava o fascismo no país.

Oficialmente, o motivo foi a impossibilidade de que o embaixador do Brasil na Espanha estivesse presente ao evento, organizado ainda no primeiro semestre do ano. Mas, na prática regular do Itamaraty, tais circunstâncias de ausência são frequentes e um embaixador é sempre substituído por algum diplomata da chancelaria, sem qualquer risco para os eventos.

Procurado em duas ocasiões, o Itamaraty não deu satisfação sobre o ocorrido em Madri e pediu que a pergunta fosse redirecionada para a embaixada do Brasil na capital espanhola.

De acordo com o embaixador do Brasil em Madri, Orlando Ribeiro, "nem todos os temas merecem ser analisados sob o prisma do embate político". "Caso tivesse sido procurado, teria prazer em esclarecer-lhe sobre a participação brasileira no evento do bicentenário, organizado pela SEGIB e Embaixadas do Brasil e de Portugal, previsto para ocorrer em 15/9", explicou.

"A nossa participação no evento tinha como mote o lançamento de primeiro tomo de trilogia sobre o bicentenário, em parceria com a Universidade de Salamanca, com a presença do organizador da obra", disse.

"Como nenhuma das duas coisas puderam ocorrer nos prazos previstos - o lançamento e a presença do autor -, achamos por bem adiar a participação brasileira, que aliás não faria sentido sem essas duas entregas. Não nos pareceu que o adiamento poderia ser um problema. Tratava-se de evento circunscrito a 30 pessoas e, até o início desta semana, sem formato definido", afirmou.

Mas fontes ligadas aos organizadores admitiram, na condição de anonimato, a existência de uma pressão por parte do Brasil. A versão dada pelo embaixador não é a mesma que apresentam os convidados.

O evento seria dedicado a debater o libro de Isabel Lucas, "Viagem ao País do Futuro - O Brasil pelos livros". Quem faria o debate com ela seria Paulo Roberto Pires, editora da revista literária Serrote. Ele havia sido convidado pela embaixada de Portugal na Espanha.

Na terça-feira, quando já tinha pousado em Madri, ele conta que recebeu um aviso por parte dos organizadores que, por conta da ausência do embaixador brasileiro, o evento seria anulado. O governo português explicou ao UOL que foi contra o cancelamento. Mas que pediria que a reportagem entrasse em contato com a embaixada do Brasil para obter maiores detalhes.

Mas a ausência do embaixador ocorreu depois que foi incluído no programa que Pires é o autor da obra "Diante do Fascismo, Crónicas de um País à Beira do Abismo".

Nas redes sociais, Isabel Lucas fez um desabafo, diante do cancelamento de seu evento. « Quando se calam, estas coisas normalizam-se; quando se gritam nas redes sociais elas entram na histeria dos dias e perdem-se. Que fazer então? », questionou.

"O dilema existe e diante dele escolho tentar dizer que isto não pode ser normal. Ontem, dia 15 de setembro, deveria ter acontecido uma conversa à volta do meu livro "Viagem Ao País do Futuro", moderada pelo respeitado jornalista brasileiro Paulo Roberto Pires, editor da revista Serrote, colunista da 451, autor do recente livro "Diante do Fascismo, Crónicas de um País à Beira do Abismo", relatou.

"Seria a primeira de três conversas para celebrar os 200 anos de Independência do Brasil, no caso organizada pela embaixada de Portugal em Madrid e do Instituto Camões, com o apoio da embaixada do Brasil também em Madrid e onde estariam representados os países ibero-americanos. Seria na SEGIB, a Secretaria Geral Ibero-Americana. O evento estava a ser organizado desde maio e sempre com a colaboração de todas as entidades que foram informadas dos nomes com a devida antecipação", relatou.

"Paulo Roberto Pires viajou do Rio de Janeiro com esse único propósito e, ao chegar a Madrid, foi informado — como eu fui — do pedido de cancelamento — ou adiamento sine die — a pedido do embaixador do Brasil junto da SEGIB, que acatou esse mesmo pedido", contou.

"A embaixada de Portugal alegou que se tratava de uma decisão unilateral e não se revia naquela decisão. Não adiantou. A SEGIB aceitou o pedido da embaixada do Brasil. Na véspera da conversa acontecer, sem mais explicações", completou.

O mal-estar foi tão grande que o próximo evento do ciclo de palestras, com Anabela Mota Ribeiro e Tatiana Salem Levy no dia 6 de outubro, foi anulado até que se esclareça em quais condições os trabalhos serão realizados.