Jamil Chade

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ONU é pressionada a criar tribunal sobre escravidão e fundo de reparação

O Fórum de Pessoas Afrodescendentes da ONU vai recomendar que governos votem a criação de um tribunal internacional para examinar a escravidão e o colonialismo, com o objetivo de estabelecer mecanismos de reparação.

Nesta semana, Portugal declarou pela primeira vez que assume sua responsabilidade pela escravidão e indicou que estaria disposto a pensar em formas de reparação. O governo português não é o único. No ano passado, a Holanda adotou um tom similar e anunciou a criação de um fundo de 200 milhões de euros para examinar medidas de reparação.

Mas, para dezenas de países africanos e latino-americanos, essas medidas por enquanto são apenas simbólicas.

Na semana passada, o Fórum da ONU que reúne as principais lideranças mundiais na questão da afrodescendência foi concluído e uma das propostas que será encaminhada se refere à reparação.

O órgão não tem o poder de criar ou estabelecer novas resoluções internacionais. Mas pode recomendar ações por parte da Assembleia Geral da ONU.

Uma delas é o reconhecimento do sistema escravagista como um crime contra a humanidade. Nesse contexto, a análise que ganha força é que a reparação é a única forma de acabar com um ciclo vicioso que teve origem na exploração de mão de obra e, hoje, tem seu legado na forma de miséria e desigualdade. Para o fórum, portanto, um mecanismo de reparação "é o rosto da Justiça no século 21".

Entre as propostas que seguirão para os governos, portanto, estão a criação de dois instrumentos:

  • O estabelecimento de um fundo internacional de reparação
  • A criação de um tribunal internacional especial para examinar demandas sobre escravidão e colonialismo, assim como servir como padrão para a definição de valores de reparações

O órgão ainda vai pedir que casos como o do Haiti sejam tratados de forma prioritária. O tema, porém, divide os governos. Se africanos e caribenhos se apresentam como os principais porta-vozes da ideia, governos europeus mostram resistência diante da possibilidade de que sejam "condenados" a pagar pelo sistema que lhes permitiu enriquecer no passado.

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Se por anos o tema tem dominado os debates nos bastidores da ONU, a questão hoje ganha um novo patamar diante da pressão das ex-colônias.

Elas, porém, passaram a contar com o apoio da própria cúpula das Nações Unidas. O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, pediu que os países tomassem medidas concretas para reparar os afrodescendentes, emprestando sua voz aos pedidos de justiça pelas atrocidades da escravidão.

"Eu me uno às suas demandas por ação agora", disse Turk, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. "Em relação às reparações, devemos finalmente entrar em uma nova era. Os governos devem se mobilizar para mostrar uma verdadeira liderança com compromissos genuínos para passar rapidamente das palavras à ação que resolverá adequadamente os erros do passado", completou.

Diplomatas latino-americanos admitiram que o novo posicionamento da ONU é "revolucionário" e era "impensável" há uma década.

O debate, porém, será como garantir a adesão das ex-metrópoles e um sistema pelo qual esses países aceitem pensar em mecanismos de desenvolvimento.

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