Na Rússia, Amorim critica uso de algoritmos em ofensiva de Israel em Gaza
Num discurso realizado em São Petersburgo, nesta quarta-feira, o assessor especial da presidência do governo Lula, Celso Amorim, criticou o uso da Inteligência Artificial na ofensiva contra os palestinos em Gaza.
Ele também alertou para o risco de um sistema internacional de segurança baseado em alianças militares. O embaixador brasileiro participa de uma conferência internacional sobre segurança promovida pelo Kremlin e fez uma alusão ao papel da cidade russa na "resistência" durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas foi a questão da tecnologia que dominou parte de seu discurso. Sua referência aos ataques em Gaza remetem às informações de que, nos últimos meses, as forças de Israel estariam utilizando IA para determinar os locais de ataques em Gaza. A situação também foi denunciada na semana passada por relatores da ONU, apontando para o risco de que tal estratégia resulte em crimes de guerra e a morte de civis.
"O potencial mortífero do uso indevido da IA também é enorme. É alarmante que, segundo relatos fidedignos, mortes de civis em Gaza estejam sendo decididas por algoritmos", disse Amorim.
Para ele, uma regulamentação da IA que seja justa, e não discriminatória, é "um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta".
Especialistas da ONU também alertam para o uso de inteligência artificial nas ofensivas militares de Israel na Faixa de Gaza, o que estaria levando a um "impacto sem precedentes sobre a população civil, moradias, serviços vitais e infraestrutura". "Seis meses após o início da atual ofensiva militar, mais moradias e infraestrutura civil já foram destruídas em Gaza como porcentagem, em comparação com qualquer conflito de que se tem memória", disseram.
"Se for comprovado que isso é verdade, as revelações chocantes do uso de sistemas de IA pelos militares israelenses, como Gospel, Lavender e Where's Daddy?, combinadas com a redução da diligência humana para evitar ou minimizar as baixas civis e a infraestrutura, contribuem para explicar a extensão do número de mortos e a destruição de casas em Gaza", disseram os especialistas da ONU.
Segundo eles, mais de 15 mil ocorreram durante as primeiras seis semanas após 7 de outubro, quando os sistemas de IA parecem ter sido amplamente utilizados para a seleção de alvos.
"Estamos especialmente preocupados com o suposto uso de IA para atingir 'casas de família' de supostos agentes do Hamas, geralmente à noite, quando eles dormem, com munições não guiadas conhecidas como bombas 'burras', com pouca consideração pelos civis que possam estar dentro ou ao redor da casa", disseram eles.
No caso do discurso de Amorim, parte substancial de sua mensagem se referiu ao avanço da tecnologia. "No que diz respeito à alta tecnologia em geral e à segurança da informação em particular, acreditamos firmemente que podemos construir um ambiente digital estável, seguro, aberto e universalmente acessível", defendeu.
"Precisamos de um mundo livre de ameaças cibernéticas. Como já foi dito aqui antes, os monopólios constituem um fator negativo neste sentido", alertou.
Ele ainda destacou que, para o Brasil, o direito internacional "também se aplica ao ciberespaço e deve ser respeitado por todos". "Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito às questões humanitárias e aos direitos humanos", insistiu.
Amorim não descarta novas negociações com o objetivo de complementar as regras existentes, capazes de levar a novos instrumentos multilaterais.
"A inteligência artificial cria novas oportunidades e ameaças. O Brasil favorece a cooperação internacional ampla que promova a paz, o desenvolvimento sustentável e a luta contra a pobreza e a desigualdade", disse.
Amorim e Lavrov
O embaixador esteve nesta semana com o chanceler russo, Sergey Lavrov, em Moscou, numa conversa sobre a situação internacional e a crise na Ucrânia. O Brasil defende que os russos participem de qualquer iniciativa internacional que possa levar a uma negociação com Kiev.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberNesta quarta-feira, sua fala ainda foi marcada pela constatação de uma transformação política no mundo que não está sendo acompanhada por uma mudança nos organismos internacionais.
"Um dos desenvolvimentos mais significativos nas relações internacionais dos últimos 25 anos tem sido o crescente papel de países do Sul", disse. "O motor de crescimento da economia mundial está agora disseminado pela Ásia, África, Oriente Médio e América Latina", afirmou.
Segundo ele, o desenvolvimento da tecnologia da informação tem sido um fator fundamental nesse processo. "Bilhões de pessoas foram retiradas da pobreza em ritmo sem precedentes na história humana", disse.
Mas Amorim alerta que, apesar da mudança, "a governança mundial não reflete essas transformações estruturais".
"Uma multipolaridade justa e pacífica só pode existir com o apoio de instituições multilaterais fortes", disse. "Como o presidente Lula tem afirmado, enfrentamos uma escolha dramática. De um lado, conflitos e desigualdades; do outro, paz e prosperidade baseadas em uma governança justa e eficaz. A comunidade internacional precisa escolher", disse.
Retorno de alianças militares
O ex-chanceler também soou o alerta sobre o risco da volta das grandes alianças militares no mundo, nos moldes da Guerra Fria. "Estamos experimentando o desdobramento de ameaças perigosas e interligadas: terrorismo, violações ao direito internacional, uso de armas proibidas, sanções unilaterais e a utilização indevida de novas tecnologias para fins ilícitos", denunciou.
"Também estamos testemunhando o retorno a um sistema de segurança baseado em alianças militares, que no passado levou à guerra", apontou.
Segundo ele, "respeitar a diversidade é um pré-requisito para a paz".
"A paz em um mundo multipolar requer uma ordem legal robusta e legítima, regida pelo direito internacional, e não por uma "ordem baseada em regras", defendeu.
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