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Uso eleitoral da ONU por Bolsonaro gera indignação entre estrangeiros
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Epígrafe de uma diplomacia que um dia foi respeitada, o discurso nesta terça-feira de Jair Bolsonaro na ONU (Organização das Nações Unidas) chocou os governos estrangeiros por ter transformado a tribuna em um palanque eleitoral. Mesmo considerado como "mais moderado" nos ataques contra a comunidade internacional, observadores internacionais deixaram claro que Bolsonaro foi o retrato de um país "apequenado" no mundo, que não atua como protagonista e que perdeu seu lugar de porta-voz dos países em desenvolvimento.
Depois de uma passagem desastrada por Londres para o funeral da monarca britânica, agora foi a vez de a tribuna das Nações Unidas ser transformada em parte da campanha.
Em sua fala nesta terça-feira, a lista de supostos feitos de seu governo no plano doméstico foi recebida com incompreensão por diplomatas estrangeiros que estavam na sala na ONU, além de questionamentos sobre a transferência de brigas partidárias domésticas ao palco internacional.
Mas também chamou a atenção a omissão a qualquer referência aos quase 700 mil mortos na pandemia, às queimadas e desmatamento recorde, à destruição dos mecanismos de direitos humanos e seus ataques contra a democracia. Também foi amplamente comentada sua decisão de atacar a imprensa nacional e estrangeira, no lugar de oferecer propostas concretas sobre como iria lidar com o desmatamento.
"Teu presidente não entendeu onde está, quem ele representa e o cargo que ocupa", comentou um embaixador experiente, em uma mensagem à reportagem enquanto Bolsonaro ainda falava.
"Ele (Bolsonaro) mente e acha que nós somos seus apoiadores?", ironizou um diplomata da América do Norte.
Ao destacar o compromisso com a imunização diante da pandemia, não faltaram comentários por parte de agentes ligados às instituições da OMS (Organização Mundial da Saúde). Na entidade, os ataques de Bolsonaro contra a vacina contra a covid-19 foram considerados como "profundamente desgastantes" para a estratégia que se desenhava para vencer a pandemia.
As repetidas referências aos cristãos, inclusive com uma frase também usada por líderes fascistas no passado, foram consideradas como sinais claros de que o presidente não falava ao mundo. Mas aos seus eleitores.
Para negociadores estrangeiros, a relativa moderação de Bolsonaro —evitando atacar a comunidade internacional como fez nos anos anteriores— não convence para desfazer uma imagem que seu discurso foi "paroquial".
"Poucos hoje prestam atenção às suas [de Bolsonaro] propostas. Se não fosse o primeiro a falar, dificilmente o mundo estaria escutando o que ele tem a dizer", afirmou um diplomata europeu.
Na Europa, diversos governos já orientaram suas chancelarias a manter o mínimo de contato possível com o bolsonarismo e adiar qualquer projeto mais substancial.
Numa conversa com a reportagem, um diplomata português admitiu que, já há algum tempo, Lisboa apenas mantém a relação com Brasília por entender que não há como promover uma ruptura na relação entre os dois países.
Entre as entidades brasileiras, as críticas também foram duras. Para o Observatório do Clima, "Bolsonaro usou seus cerca de 20 minutos de fala da ONU para fazer palanque, tentando energizar suas bases descrevendo um Brasil de faz-de-conta".
"No mundo real, temos 33 milhões de famintos, 11% das mortes por Covid num país que tem 3% da população mundial e a pior crise socioambiental no país desde a redemocratização", disse. "Embora governos passados tenham registrado taxas de desmatamento maiores na Amazônia, o regime Bolsonaro foi o único que não apenas não fez nada a respeito como estimulou ativamente o crime ambiental e o massacre de indígenas. Daí ter sido o primeiro governante brasileiro desde o início das medições por satélite a ver o desmatamento subir três vezes seguidas num mesmo mandato", destacam.
"No Brasil real, as invasões de terras indígenas triplicaram, o número de indígenas assassinados é o maior desde 2003, o desmatamento na Amazônia cresceu 75% em relação à última década e o número de queimadas até meados de setembro de 2022 já é maior do que o de todo o ano de 2021. No Brasil real, investimentos e acordos internacionais empacaram devido ao desmonte da governança ambiental e o país tornou-se um pária em fóruns nos quais era protagonista, como as negociações internacionais de clima", insistem.
"É desse país que a comunidade internacional se despede nesta terça-feira, com a esperança de que a partir de 2023 o Brasil tenha um novo governo, disposto a cuidar da própria população e a reinserir o país no mundo", completa a entidade.
"A única instância internacional que deveria receber Jair Bolsonaro a partir de agora é o Tribunal de Haia, pela sua gestão criminosa da pandemia e pela incitação ao genocídio indígena", diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Clima deve ser prioridade de todos os governos
Antes de Bolsonaro tomar a palavra, foi o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, quem discursou e mandou recados duros a líderes que têm questionado os pilares das Nações Unidas, em especialmente o clima. "Nosso planeta está queimando", disse. Para ele, o futuro da humanidade está em jogo.
Segundo Guterres, o mundo trava uma "guerra de suicídio" e a questão climática deve ser "a prioridade de todos os governos". Na avaliação do secretário-geral, os verões mais quentes de hoje podem ser os mais frescos do futuro.
O chefe da ONU fez um apelo para que os governos do G20 imponham impostos sobre a indústria do petróleo e que tais recursos sejam usados para ajudar os países mais pobres a realizar a transição.
Outra denúncia se refere ao comportamento de líderes. Segundo ele, o "ódio e a desinformação estão proliferando, principalmente contra mulheres e grupos vulneráveis". Para ele, o mundo vive uma "disfunção colossal" e não está preparado para lidar com tais cenários.
"Mundo paralisado e em perigo. Não podemos continuar assim", alertou.
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