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Jamil Chade

REPORTAGEM

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França condiciona iniciativa de Lula a reconhecimento de agressão da Rússia

30.mai.2022 - A ministra das Relações Exteriores da França, Catherine Colonna (ao centro) visitou a cidade de Bucha, na região de Kiev - Dimitar Dilkoff/AFP
30.mai.2022 - A ministra das Relações Exteriores da França, Catherine Colonna (ao centro) visitou a cidade de Bucha, na região de Kiev Imagem: Dimitar Dilkoff/AFP

Colunista do UOL

27/02/2023 07h37

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O governo da França comemorou a decisão do Brasil de apoiar a resolução na ONU que condena a agressão russa contra a Ucrânia e pede uma paz "justa e duradoura" para a crise que assola a Europa. O Brasil, com o voto, marcou uma posição diferente de alguns dos principais países emergentes, que optaram pela abstenção.

O voto ocorre no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz uma ofensiva para criar um grupo de países não envolvidos na guerra e que poderiam servir de interlocutor para permitir um acordo de paz.

Mas Paris sinalizou que qualquer projeto de negociação precisa estar baseado, como critério, no reconhecimento de que houve uma violação da Carta das Nações Unidas. Para os franceses, o Brasil sinalizou nesta direção e não haveria um obstáculo. Mas, entre diplomatas europeus, existem dúvidas se os demais países emergentes que formariam parte do "clube da paz" também adotariam tais princípios.

Nas últimas semanas, num esforço para se posicionar como um interlocutor para um possível processo de mediação na guerra, o Brasil tem insistido que não tomará partido na guerra. O governo ainda se recusou a atender a um pedido dos europeus para fornecer munição para a Ucrânia e vem dialogando para permitir que um grupo de países emergentes possa ser formado para mediar um eventual cessar-fogo.

Mas, mesmo assim, na quinta-feira, o governo Lula votou a favor de uma resolução na Assembleia Geral da ONU que condenava os russos pelos ataques. O voto representou uma mudança no padrão usado até agora pelo Brasil de optar pela abstenção em votações similares.

O documento foi aprovado na Assembleia Geral da ONU com o apoio de 141 países, contra apenas sete votos contrários. Mas 32 países optaram pela abstenção, entre eles todos os demais parceiros do Brasil nos Brics.

O texto trouxe uma proposta concreta do Itamaraty de incluir, pela primeira vez, um apelo claro pela suspensão das hostilidades. Os europeus aceitaram a iniciativa do governo brasileiro mas, ao mesmo tempo, conseguiram que isso permitisse que o Itamaraty não seguisse os demais emergentes e apoiasse o texto. Alguns dentro da chancelaria chegaram a alertar para a "arapuca" que os europeus teriam colocado para o Brasil.

Iniciativas de paz precisam reconhecer agressão da Carta da ONU

Mesmo assim, o voto brasileiro foi considerado como um sinal positivo por parte dos europeus. Questionada pelo UOL, a ministra francesa de Relações Exteriores, Catherine Colonna, contou que pode conversar diretamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a crise. "Falamos muito sobre a situação, o que pode ser feito para levar a paz para esse país", disse, numa referência a uma visita realizada por ela para Brasília no início de fevereiro.

Para ela, qualquer projeto de paz deve cumprir a exigência de respeitar o direito internacional. Ou seja, o reconhecimento de que houve uma agressão militar contra um país soberano, a violação de fronteiras e da integridade de outro território por parte dos russos.

"Isso passa pelo respeito dos princípios da Carta (da ONU). Isso foi reafirmado há poucos dias, com o voto positivo do Brasil. Não um desacordo sobre essa base", disse a ministra.

"A paz justa e durável deve passar pelo respeito da Carta da ONU. Nesse quadro, toda iniciativa que se situe nesse quadro, são bem-vindas. O Brasil votou claramente conosco", apontou, numa sinalização de que o projeto de Lula não estaria descartado caso cumpra tais requisitos.

Biden adotou mesmo tom

Essa não é a primeira vez que o critério é apresentado. Nos EUA, o governo de Joe Biden também deixou claro que qualquer grupo de mediadores teria de, primeiro, reconhecer que houve uma agressão por parte da Rússia e que só existe uma vítima: o povo ucraniano.

Se o posicionamento de Lula parece claro sobre isso, o grupo que estaria sendo pensado teria de cumprir tais requisitos para que possa ser credenciado como um interlocutor legítimo.

Explicação

Na semana passada, ao tomar a palavra para explicar o voto do Brasil, o embaixador do país na ONU, Ronaldo Costa Filho, afirmou que o Itamaraty considerava que "o elemento mais importante da resolução é o apelo da comunidade internacional para que os esforços diplomáticos sejam redobrados para que se possa atingir um paz duradoura e justa na Ucrânia".

Mas ele também explicou que interpreta o texto como um apelo pela suspensão das hostilidades "sem pré-condições" e que nenhum texto do documento deve ser usado como desculpa para não se iniciar um processo negociador visando a paz.