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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Hesitação de Biden abre espaço para ofensiva diplomática da China com Lula

Os presidentes Joe Biden e Lula caminham juntos no jardim da Casa Branca, em Washington - Jonathan Ernst/Reuters
Os presidentes Joe Biden e Lula caminham juntos no jardim da Casa Branca, em Washington Imagem: Jonathan Ernst/Reuters

Colunista do UOL

17/03/2023 04h00

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Quando o presidente chinês Xi Jinping estender o tapete vermelho à megadelegação brasileira que desembarca na China em poucos dias, estará se apresentando como o maior parceiro comercial do Brasil e disposto a ampliar a cooperação para a área espacial, tecnológica e de infraestrutura.

A "operação sedução" que Pequim vai montar está impressionando até mesmo diplomatas experientes. Para alguns deles, será uma viagem repleta de "imagens", "simbolismo" e "cenários cinematográficos" para os mais de 240 políticos, diplomatas e empresários brasileiros.

Fontes em ambos os países concordam que a visita é uma das mais importantes já realizadas por um presidente brasileiro para a Ásia e pode dar o tom de como será construída a relação entre as duas economias nos próximos anos.

Não deixou de ser notado pelos chineses o fato de que, em Washington no mês passado, o presidente Lula não ganhou o tratamento que sua administração esperava por parte de Joe Biden.

Nos EUA, o brasileiro não foi homenageado em um jantar, almoço ou nem mesmo em uma recepção. Tampouco houve uma coletiva de imprensa conjunta. Mas, acima de tudo, não houve anúncio de novos recursos para a Amazônia e nem acordos assinados.

Agora, os chineses querem usar a oportunidade para ocupar um espaço político e econômico deixado pelos americanos, com a esperança de que compromissos sejam estabelecidos, inclusive a construção de uma nova geração de satélites.

O que o Brasil quer?

Os chineses sabem que Lula vai defender a multipolaridade e que a orientação do Itamaraty é de que não haverá aliança automática com ninguém.

Pequim também sabe que uma das estratégias do governo Lula é a de fortalecer relações com Europa, América Latina, África e Oriente Médio, justamente para impedir que o mundo seja dividido entre duas áreas de influência hegemônicas: China e EUA.

O governo brasileiro vai defender uma relação mais equilibrada com a China. Ainda que o mercado de Pequim seja o destino de um volume importante das exportações nacionais, o Brasil não quer apenas ser vendedor de commodities e comprador de tecnologia chinesa.

Ainda no primeiro governo de Lula, o então chanceler Celso Amorim já sinalizava que queria uma relação mais equilibrada. Hoje, como assessor internacional do Palácio do Planalto, ele continua pressionando nesta direção.

A barganha

Pequim estará disposta a avaliar essa mudança no perfil do comércio. Mas para que permita acelerar a ofensiva de Pequim para se consolidar na América Latina, deslocar o poder dos EUA e redefinir seu papel no mundo nas próximas décadas.

Os chineses ainda querem convencer o Brasil a aceitar a ideia de uma expansão dos Brics, um projeto que tem sido interpretado em meios diplomáticos como um esforço de Pequim para criar um bloco que atenda a seus interesses e onde seus aliados estejam presentes.

Xi visita Putin antes de encontro com Lula

Central nesse novo desenho do cenário internacional será o posicionamento de Brasil e China diante da guerra na Ucrânia. Segundo diplomatas, o presidente Lula vai propor que o governo da China se envolva de uma forma mais contundente na busca por um caminho para a paz na guerra.

Na próxima semana, Xi realizará sua primeira visita ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, desde o início da guerra. A viagem será acompanhada com muita atenção pela Casa Branca, que vem alertando aos chineses sobre a ameaça que representaria o abastecimento de armas ao Kremlin.

Mas, no esforço dos chineses de se posicionarem como "um ator responsável" da comunidade internacional, a meta é a de passar a impressão de que Pequim quer assumir o papel de mediação.

Os chineses percorrem desde fevereiro as principais capitais da Europa e mantêm encontros com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, e o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, além dos próprios russos, na esperança de manter os canais de diálogo abertos.

Logo após a visita de Lula, o Brasil vai receber pela primeira vez, desde o início da guerra, o chanceler russo, Sergei Lavrov. Mas, dentro do governo brasileiro, não há dúvidas de que a capacidade de a China pressionar Putin é maior que qualquer gesto que Lula possa fazer.

Desde o início de seu governo, o brasileiro tem defendido a criação de uma espécie de aliança de países que possam atuar como facilitadores na busca por uma solução diplomática para a guerra. O tema foi tratado com Joe Biden (EUA), Emmanuel Macron (França) e Olaf Scholz (Alemanha).

Na avaliação de diplomatas envolvidos no esforço da ONU para impedir a continuação do conflito, a posição da China pode ser fundamental. No mês passado, Pequim apresentou pela primeira vez o que acredita ser um rascunho de um eventual plano de paz, com doze princípios.

A proposta foi vista com ampla resistência por parte de americanos e europeus. "Eu não vi nada no plano que indique que exista algo que seria benéfico para alguém mais do que a Rússia", criticou Biden.

Mas a ONU considerou que alguns de seus elementos podem se transformar em pontos de um início de uma conversa. Um deles é o compromisso de que armas nucleares não sejam usadas.

"Os chineses chamaram os russos e alertaram: não haverá tolerância ao uso de uma bomba atômica", disse um representante da mais alta cúpula da ONU.

Outro aspecto que agradou a entidade foi a insistência de Pequim em defender a integridade territorial, ainda que isso seja uma forma de dizer que não aceitará um distanciamento de Taiwan ou envolvimento estrangeiro na ilha.

Foi aplaudido ainda nos corredores da ONU a defesa que os chineses fizeram da Carta das Nações Unidas, violada pela Rússia.

No governo brasileiro, a existência do plano não é suficiente e a esperança é de que Xi Jinping use sua capacidade de influência sobre Putin para convencer o Kremlin a iniciar um processo negociador.