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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Lula quer aliança com Xi em projeto contra guerra na Ucrânia

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o líder chinês Xi Jinping estiveram juntos no Uzbequistão em setembro passado - Sputnik/Sergey Bobylev/Pool via REUTERS
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o líder chinês Xi Jinping estiveram juntos no Uzbequistão em setembro passado Imagem: Sputnik/Sergey Bobylev/Pool via REUTERS

de Pequim

25/03/2023 03h14

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta em uma aliança com a China para conseguir fazer avançar sua ideia de estabelecer canais de diálogo com russos e ucranianos e, assim, evitar que o conflito que já dura mais de um ano se transforme em uma guerra mundial.

Lula embarca neste domingo para Pequim e, na terça-feira, se reunirá com o presidente da China, Xi Jinping. Se a delegação brasileira é composta por um alguns dos principais empresários do país e a pauta comercial irá ter destaque na viagem com mais de 20 acordos sendo assinados, a visita está sendo considerada tanto pelos chineses como pelo Itamaraty como um encontro estratégico num momento de tensão internacional.

Lula será o primeiro líder estrangeiro a ser recebido por Xi Jinping desde que o chinês foi reconduzido para um terceiro mandato como presidente. Em Pequim, fontes do governo local confirmaram ao UOL que o encontro entre Brasil e China será uma das principais visitas da agenda internacional de Xi em 2023.

Desde os primeiros dias de seu governo, o presidente brasileiro tem insistido na ideia de se criar um grupo de países que possam servir como facilitadores de um diálogo para recolocar propostas de paz sobre a mesa. O temor na ONU, por exemplo, é de que existem pressões muito claras a favor da continuação da guerra, sem que propostas de paz possam ser efetivamente discutidas.

De fato, o governo brasileiro tem recebido sinalizações de que, apesar de a ideia ser válida, não existiria neste momento um espaço político para se negociar um acordo de paz.

Nos EUA, Lula também levou a proposta. Mas ouviu do governo americano que alguns critérios teriam de existir antes de pensar na criação do grupo.

  • O primeiro deles é de que todos os países que façam parte do esforço reconheçam que só existe um agressor, no caso a Rússia.
  • Outro ponto fundamental é o reconhecimento de que houve uma violação da Carta das Nações Unidas, com a invasão de um território estrangeiro.

Num esforço de mostrar que está disposto a aceitar esse critério, o Brasil se somou às potências ocidentais para condenar a agressão russa na Ucrânia, em uma votação na ONU. Lula ainda moderou o tom de suas declarações, sinalizando que os russos cometeram um "erro".

Num gesto também para mostrar que pode ser um interlocutor válido para as negociações, Lula ainda conversou com Volodymyr Zelensky. O ucraniano pediu seu apoio ao plano de paz que Kiev preparou, com a ajuda dos europeus. Mas Lula deixou claro que propostas unilaterais de paz raramente prosperam.

Aposta nos chineses e visita de russo

Se a líderes de países ocidentais a proposta do brasileiro foi recebida com hesitação, a esperança do governo brasileiro é de que ela tenha uma acolhida maior na China. O grupo poderia ainda contar com os sul-africanos, indianos, indonésios, turcos e mexicanos.

Dentro do governo brasileiro, a visita de Xi Jinping para a Rússia, há poucos dias, foi avaliada como uma oportunidade para que se estabeleça um canal de diálogo com Vladimir Putin. "Xi não foi vender armas", destacou um experiente embaixador brasileiro. Para o Itamaraty, um maior envolvimento da China em uma agenda pacifista poderia mudar de forma radical a dinâmica no conflito e impulsionar a ideia de um grupo de interlocutores internacionais.

Mas a avaliação interna no governo brasileiro é de que a China terá dificuldades de convencer as potências Ocidentais que ela pode ser um protagonista num eventual acordo de paz. Antony Blinken, secretário de estado norte-americano, emitiu um alerta sobre a proposta de negociação levada por Xi para Putin.

A Casa Branca teme dois aspectos nessa iniciativa:

  • Um acordo de cessar fogo que mantenha tropas russas em território ucraniano pode perpetuar uma invasão
  • Um acordo de paz negociado pela China transportaria Pequim para um novo patamar internacional.

Diante desse posicionamento, um envolvimento do Brasil e de outros emergentes pode ser útil para fazer pontes com Washington.

Já do lado chinês, a esperança é de que Lula possa ser um interlocutor com os europeus e americanos. As relações deterioradas entre Pequim e Washington têm sido um obstáculo para lidar com a guerra, enquanto diplomatas estrangeiros destacam que, hoje, acordos globais só podem existir se, antes, passarem pela chancela das duas superpotências.

Lula, ao retornar ao Brasil, receberá o chanceler russo, Sergei Lavrov, em mais uma sinalização de que quer manter os canais de diálogo aberto com todos.

A visita será acompanha de perto pela Casa Branca.