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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Traição e hesitações de EUA e Europa frustram governo brasileiro

Lula em chegada para encontro com Joe Biden, presidente dos EUA - Jonathan Ernst/Reuters
Lula em chegada para encontro com Joe Biden, presidente dos EUA Imagem: Jonathan Ernst/Reuters

de Pequim

26/03/2023 16h13Atualizada em 26/03/2023 20h03

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"O Brasil voltou". Com esse lema, diplomatas e ministros brasileiros percorreram nos últimos meses o mundo reassegurando parceiros estrangeiros que a era Bolsonaro havia chegado ao fim e que, a partir de agora, um parceiro previsível e confiável voltava a fazer parte do cenário internacional. Era o fim de posições contrárias à ciência, ao meio ambiente, à paz e ao diálogo.

Mas a ambição de transformação da inserção internacional do Brasil por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vive um choque de realidade.

Sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil queimou pontes, fez alianças ideológicas e diminuiu de forma dramática o papel do país no mundo. De uma situação de pária, o Brasil passou a ser uma ameaça ambiental, sanitária e de ruptura democrática.

Não por acaso, a vitória de Lula gerou um alívio internacional, com líderes estrangeiros se apressando a buscar uma foto ou um aceno ao lado do brasileiro.

Em muitas das grandes capitais, as promessas eram que estavam prontos para uma nova relação. Mas a transformação das boas intenções em atos concretos esbarra agora em interesses protecionistas, considerações geopolíticas e até em percalços inesperados como a pneumonia de Lula.

Internamente, Lula tinha como objetivo completar os cem primeiros dias de governo tendo mudado de forma radical a relação com os EUA, a Europa e a China.

Em muitos aspectos, ele conseguiu. Passou a ser ator incontornável, recebe e liga para presidentes com uma frequência que Bolsonaro jamais experimentou e reposicionou o Brasil em discussões fundamentais para a segurança e estabilidade no cenário internacional.

Sua chancelaria reposicionou o Brasil em acordos e alianças internacionais e rompeu com posições ideológicas adotadas nos últimos quatro anos.

Mas, menos de cem dias após assumir, o novo Itamaraty esbarra em obstáculos estrangeiros, traições e promessas vazias de parceiros que, nos últimos meses, sinalizavam que iriam contribuir de forma decisiva para uma nova era de relações com o Brasil.

Lula aceitou vários dos desafios e metas impostas pelos parceiros estrangeiros. Mas sua aposta agora não está sendo retribuída por líderes das principais potências.

Se não bastasse, na principal viagem do ano e na qual mostraria o mundo a transformação do eixo da economia nacional, uma pneumonia o obrigou a adiar sem data o anúncio de mais de 20 acordos com a China.

Europeus traíram confiança de Lula

O mais recente caso que impactou o Itamaraty foi a proposta feita pelos europeus sobre um protocolo ambiental que acompanharia o acordo comercial entre Mercosul e Europa. Negociado por 20 anos, o tratado de fluxo de bens foi finalmente fechado em 2019. Mas os europeus alegaram que o desmonte da política ambiental de Bolsonaro impedia que o processo de ratificação pudesse ir adiante.

Para resolver tal impasse, os europeus se propuseram em apresentar um protocolo adicional ao tratado, desta vez estabelecendo critérios ambientais sem os quais o acordo comercial não poderia existir. O governo Lula, comprometido com a redução do desmatamento, topou e chegou a apontar que queria o fim definitivo do processo até meados do ano.

Mas quando os europeus apresentaram a proposta, no início deste mês, o documento e o comportamento de Bruxelas foi considerado como decepcionante.

Isso por conta tanto do conteúdo do tratado quanto pelo comportamento dos negociadores europeus.

Bruxelas havia solicitado que a proposta fosse mantida em sigilo. Mas duas semanas depois, o texto foi vazado para ambientalistas europeus, que denunciaram a incapacidade da nova proposta de frear o desmatamento.

No Itamaraty, o gesto causou profundo mal-estar, já que rompeu a boa-fé do processo e ainda criou uma pressão ainda mais elevada para que as exigências fossem aprofundadas.

A surpresa dentro do governo brasileiro é que isso tudo acontece com um presidente — no caso Lula — que se comprometeu em ressuscitar a política ambiental e zerar o desmatamento. A atitude dos europeus, portanto, foi recebida com duras críticas dentro do novo governo brasileiro.

Os problemas não se limitaram ao vazamento. Na proposta, os europeus fazem exigências ao Brasil que jamais impuseram em outros acordos, como no caso do Canadá. Além disso, transformaram compromissos voluntários do país assumidos nos acordos multilaterais como obrigações vinculantes, num tratado bilateral entre dois blocos.

Lula visita Portugal no final de abril — e a União Europeia e o Brasil realizam uma cúpula que não ocorria havia sete anos. O Itamaraty vai deixar claro aos europeus que, se há uma intenção de fechar o tratado, Bruxelas terá de abandonar tais posturas e negociar a partir de outras bases.

Internamente, o Itamaraty insiste que está disposto a continuar negociando. Mas em uma recente entrevista, o chanceler brasileiro Mauro Vieira não escondeu suas críticas aos europeus, alertando que o Brasil não aceitaria medidas unilaterais e nem condições impostas sobre como cada país do Mercosul deveria lidar com suas realidades.

Para membros do governo, os europeus estão revelando sua face protecionista, uma vez mais.

Promessas vazias de Biden

A frustração também ocorre com o governo de Joe Biden. O americano fez questão que Lula fosse primeiro para a a Casa Branca, antes de uma eventual viagem para a China, rival estratégico.

Mas a viagem não resultou em atos concretos assinados entre os dois líderes. Horas antes do encontro no Salão Oval, o governo americano enviou até a delegação brasileira um emissário para sugerir que o valor de US$ 50 milhões fosse anunciado por Biden para o Fundo da Amazônia.

Com a Ucrânia tendo recebido 200 vezes mais em ajuda das potências Ocidentais, em apenas um ano de guerra, o valor foi considerado como um constrangimento por parte do Itamaraty.

A sugestão do Palácio do Planalto aos americanos foi de que o valor sequer fosse citado no comunicado final, sob o risco de ser embaraçoso.

Brasília esperava que um novo valor seria anunciado ou sinalizado por John Kerry, o enviado americano para o Clima, em sua viagem ao Brasil, semanas depois do encontro Lula-Biden. Uma vez mais, não houve qualquer referência a um montante.

A frustração ainda se repetiu tanto com europeus e americanos sobre o projeto de Lula da criação de um grupo de contato que possa iniciar uma articulação por um cessar-fogo na Ucrânia. A proposta do brasileiro foi recebia de forma fria, em ambos os lados do Atlântico.

Cancelamento de viagem para China

Para os cem primeiros dias do governo, a grande aposta de Lula, portanto, era a viagem para a China. Pequim, ciente das dificuldades do Brasil com parceiros ocidentais, preparava uma recepção de impacto para Lula. O presidente teria direito a um banquete de estado, no qual compartilharia com Xi Jinping um destilado de arroz tradicional, e um tratamento destinado apenas para países que a China considera como estratégicos.

Lula voltaria ao Brasil com mais de 20 acordos de baixo do braço e uma sinalização clara aos europeus e americanos de que, se não mudassem o padrão de relacionamento com o país, seriam testemunhas de uma perda ainda maior de espaço no mercado nacional para os asiáticos.

A esperança era que os chineses sinalizariam ainda de forma positiva sobre o projeto de Lula para a Ucrânia, dando uma sobrevida ao projeto e reposicionando o Brasil.

Mas a pneumonia do presidente foi uma ducha de água fria sobre essas pretensões da política externa. Para fontes dentro do Itamaraty, o cancelamento da viagem, ainda que indispensável, terá um custo político.

Tanto os chineses como os brasileiros estão certos de uma nova data será marcada para a viagem, que promete ser a mais importante do ano para a diplomacia de Lula. Mas seu impacto agora terá de encontrar uma nova brecha no intenso calendário internacional para poder ocorrer.