Jamil Chade

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Reportagem

Sob Bolsonaro, Brasil perdeu espaço na África e foi substituído por China


Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar na África no começo da semana, líderes do continente receberão o brasileiro de braços abertos. Mas, depois de quatro anos de uma ausência quase completa de uma estratégica para os países africanos, a constatação dentro do próprio governo é de que o Brasil foi substituído em diversos setores pela China.

Lula inicia sua viagem pela África em Johanesburgo, onde participa da cúpula dos Brics, a partir e terça-feira. Mas com dezenas de presidentes do continente sendo convidados ao evento, o Palácio do Planalto não descarta a realização de encontros bilaterais entre o brasileiro e os líderes africanos.

A segunda perna da viagem será em Angola, numa visita de estado. A turnê acaba em São Tomé e Príncipe, para a Cúpula da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

Mas, para membros do governo, o que fica evidenciado é o impacto dos últimos anos e a necessidade de que uma estratégia de recuperação seja implementada.

Jorge Viana, presidente da Apex, contou ao UOL que, quando assumiu o órgão de promoção de exportações, encontrou um "vazio de quatro anos" na relação com a África. "Empresas brasileiras não tiveram mais apoio e empresas africanas perderam relação no Brasil", disse.

Para ele, porém, o espaço deixado pelo Brasil foi ocupado por concorrentes. "Não há vácuo no comércio", disse. Viana aponta com investir na África é estratégico, diante da dimensão demográfica que o continente terá nas próximas décadas. "Não podemos ficar ausentes da Africa", insistiu.

Uma das principais ameaças para os interesses comerciais brasileiros é a China. "No Leste africano, os chineses estão investindo muito", destacou. Segundo ele, Pequim focou especialmente em obras de infraestrutura, deslocando as empresas brasileiras que por décadas ganharam contratos na região.

Outro risco que corre o Brasil é de que a China passe a ampliar ainda mais sua produção de soja em terras africanas, substituindo os produtos hoje exportados pelos fazendeiros brasileiros. "Os chineses querem ter milhões de hectares de soja no continente africano. Isso mudaria nossa competitividade", disse.

Segundo ele, se os chineses de fato estabelecerem essa rota, a eficiência brasileira de produção de grãos fica comprometida por conta da distância e logística, minando a capacidade de competir. "Ela (China) é uma ameaça aos interesses comerciais do Brasil", disse.

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Reação

Um dos caminhos, portanto, seria a de o Brasil levar para a África tecnologia, o que permitiria competir com os chineses. Neste contexto, o presidente da Apex defende que a Embrapa expanda sua presença na África e indica que, na missão na próxima semana, também levará a Conab para dialogar com os líderes africanos.

"Muitos países dependem de alimentos importados. O Brasil não pode ficar ausente, até por isso. Somos parte da solução", disse, lembrando que Angola importa 90% de seus alimentos.

Acordo comercial Mercosul-África

Viana ainda propõe que, depois de fechado o acordo de livre comércio com a Europa, o Mercosul mergulhe na busca de um tratado também com os países africanos.

"Isso mudaria a geografia econômica e recuperaria essa ausência num continente que é alvo de disputa pelo mundo", disse. Segundo ele, nas conversas com outras autoridades, o presidente da Apex tem levantado essa possibilidade de um acordo.

Os dados, de fato, mostram que os últimos anos significaram um retrocesso. Depois de chegar a US$ 9 bilhões em 2017, as exportações do Brasil para os africanos caiu para US$ 7 bilhões em 2019 e 2020. Houve uma retomada e, em 2022, o fluxo chegou a US$ 12 bilhões.

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Mas só nos primeiros meses de 2023, o volume já ultrapassou a marca de US$ 7 bilhões, mesmo com a queda nos preços de commodities. Para membros do governo, tudo indica que vai superar qualquer marca dos últimos seis anos e que, de fato, a taxa nos últimos anos estava abaixo do potencial.


BNDES

Na avaliação do presidente da Apex, porém, nenhum retorno do Brasil para o continente africano terá êxito se não for acompanhado por um mecanismo para garantir crédito para que as empresas nacionais possam investir ou exportar.

"Isso foi satanizado no governo Bolsonaro. Mas todos os países do mundo financiam suas empresas para exportar", disse.

"Se tem um projeto que não deu certo, é necessário que seja cobrado. Mas não adianta querer ter relações com Africa, sem levar propostas e o financiamento de comercio exterior", insistiu.

Nesse plano, Viana vê um papel fundamental para o BNDES. "Precisamos encontrar um modelo para voltar a financiar. Sem isso, não vamos disputar nada. Quem vai comprar equipamento da Embraer? Quem vende avião é um pais. Os indianos compraram 500 aeronaves dos EUA. A China comprou 140 dos franceses. E estamos tentando vender 20. Tivemos muito prejuízo", alertou. "Como vai exportar sem oferta de credito? Todos fazem", disse.

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Para a Apex, o mesmo sistema de financiamento precisa ocorrer com mineradoras e obras de infraestrutura.

Vacinas

A missão de Lula ainda levará para Angola a possibilidade de uma produção de vacinas em território africano, por meio da Fiocruz. "Queremos que compre medicamentos nossos, e não europeus", disse Viana. Segundo ele, uma das ideias é estabelecer fábricas de remédios genéricos brasileiros.

Também será explorada a possibilidade da entrada de grupos brasileiros de educação no mercado africano. Um deles seria a Estácio e seus programas de ensino à distância.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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