Países pobres elogiam fala de Lula, mas ricos veem dificuldade em consenso
Se o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Assembleia Geral da ONU foi recebido como a "volta" do Brasil à comunidade internacional, depois de quatro anos de ataques contra a instituição por parte de Jair Bolsonaro, suas propostas geraram reações diferentes entre os grupos de países e ativistas.
Diplomatas e embaixadores de países estrangeiros consultados pelo UOL indicaram que alguns dos pontos levantados por Lula estão em debate há anos e que, em certos momentos, já houve uma esperança maior de que pudessem ser lidados. Hoje, diante de uma profunda divisão na comunidade internacional, negociadores acreditam que as reformas que Lula sugere terão dificuldade em encontrar um consenso.
Mesmo assim, entre governos de países emergentes, a fala foi recebida como "esperança" de que a agenda internacional possa ser influenciada por novas ideias e maior justiça. Para países mais ricos, algumas das reivindicações flertaram com "utopias", enquanto ativistas não esconderam a frustração pela falta de novos compromissos ambientais.
Conselho de Segurança
Um dos principais pontos defendidos por Lula foi a ampliação do Conselho de Segurança da ONU. Várias delegações concordam com tal proposta. Mas não há qualquer sinal de que um acordo esteja amadurecendo sobre quantos países deveriam entrar e quem seriam eles.
Segundo alguns governos europeus, por exemplo, não há como pensar em incluir novos membros quando vários dos países emergentes dão sinais de que poderiam questionar de forma frontal os interesses ocidentais.
O racha ficou claro, porém, quando o presidente norte-americano, Joe Biden, tomou a palavra e também defendeu a ampliação do Conselho de Segurança. O chefe da Casa Branca chegou a sugerir que estaria fazendo consultas neste sentido.
Com o que ele não se comprometeu foi em delinear quais seriam os países e regiões que poderiam fazer parte dessa expansão.
De fato, a reforma sofre a resistência de diferentes delegações, e cada qual por motivos diferentes. Do lado chinês, apesar de passos tímidos no sentido de defender uma reforma, Pequim não quer pensar na possibilidade de que Japão e Índia façam parte da elite do poder mundial.
Em Nova York, a resistência não vem apenas das potências. Diplomatas brasileiros continuam se queixando do comportamento da Argentina que, resistindo à candidatura do Brasil para o Conselho, lidera uma aliança de alguns países emergentes que insistem que a ampliação apenas pode ocorrer em uma decisão por consenso, o que não existe por enquanto.
Desigualdade e ataques contra mais ricos
Mas a fala foi amplamente aplaudida pelas delegações de países em desenvolvimento, principalmente africanos. Lula insistiu sobre o colapso do sistema financeiro, criticou o comportamento do FMI e alertou para o protecionismo dos países ricos.
"Ter a principal reunião do ano da ONU sendo aberta com esse tom nos dá esperança", afirmou um embaixador de um país africano de língua portuguesa, pedindo anonimato. Para outras delegações, Lula acertou no tom ao criticar a concentração de renda na mão de poucos bilionários.
Também foi aplaudido por delegações estrangeiras o fato de Lula ter citado algumas das piores crises humanitárias pelo mundo, esquecidas pelos países mais ricos.
Mas sua insistência em modificar a contribuição dos mais ricos para o desenvolvimento, a redução de gastos em armas para destinar mais recursos para a área social e o questionamento do neoliberalismo foram recebidos como "utopia" por certas delegações de países ricos.
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JAMIL CHADE
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Foi alvo de um debate entre as delegações estrangeiras a fala de Lula sobre a guerra. Para europeus e outros ocidentais, ainda que uma negociação de paz seja necessária, houve uma certa frustração com a ausência de uma condenação mais explícita por parte do brasileiro em relação à invasão russa. Ainda assim, foi tido como positivo o fato de Lula se reunir com Volodymyr Zelensky, nesta quarta-feira.
Ricos sob cobrança
Outro ponto que recebeu destaque internacional foi a cobrança de Lula para que países ricos cumpram seu compromisso de destinar US$ 100 bilhões por ano para ajudar os emergentes a fazer a transição energética e climática.
Para diplomatas dos países ricos, a insistência de Lula esbarra nos interesses nacionais desses governos. De um lado, temem que, uma vez destinado o recurso, percam controle de como seria usado. Os países também destacam que uma das preocupações é de que, uma vez iniciada a transferência, sejam obrigados a manter o envio de bilhões de dólares todos os anos, sem qualquer tipo de previsão de quando esse compromisso seria interrompido.
Para completar, diante da concorrência chinesa e do impacto financeiro da guerra na Ucrânia, europeus e americanos alegam que não se trata do momento para enfraquecer seus cofres públicos.
Ambientalistas, porém, alertam: o planeta já vive sua mudança e, se não houver urgência nessa transição, qualquer ação pode ser simplesmente tarde demais.
Ativistas se frustram com falta de novos compromissos
A fala de Lula ainda gerou a reação de entidades de direitos humanos. Para Camila Asano, diretora-executiva da Conectas, "espera-se do governo brasileiro uma postura corretiva, no ambiente doméstico e internacional, sobre o uso excessivo de combustíveis fósseis e a revisão a respeito da abertura de novos locais de exploração de petróleo, especialmente em regiões sensíveis como a foz do Amazonas, bem como a transição energética pela ampliação de novas fontes de energia e o respeito aos direitos humanos das comunidades tradicionais e originárias".
"Nesse sentido, o presidente Lula frustrou expectativas ao não se comprometer a revisar a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, medida essencial para que o país esteja em conformidade com o Acordo de Paris e corrija a "pedalada climática" do governo Bolsonaro".
Na semana passada, a secretária do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, declarou que a revisão seria levada para a ONU.
"É crucial incluir os povos originários no debate sobre a crise climática, algo que não apareceu no discurso presidencial", disse Camila.
"Isso implica em reconhecer o papel fundamental dos povos indígenas na contenção do desmatamento e a necessidade de demarcação de terras indígenas, no sentido de refutar a tese do marco temporal ainda em disputa no governo e na justiça", afirmou.
Ela ainda destacou a questão dos direitos. "Se o Brasil quer voltar à centralidade do debate no multilateralismo, é fundamental que o país se comprometa com a defesa inabalável do sistema internacional de direitos humanos e seus tratados internacionais, incluindo aqueles dedicados ao combate aos crimes contra humanidade como o Estatuto de Roma."
Ela ainda elogiou o fato de o presidente ter destacado o combate às desigualdades de gênero e raça em seu discurso. "Tratar da desigualdade racial e de gênero no Brasil só será possível quando populações historicamente oprimidas ocuparem espaços decisórios, como o Poder Judiciário. Mulheres, pessoas negras, indígenas e populações LGBTQIA+ precisam estar no centro das discussões do país e do mundo", completou.
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