ONU recebe lista de mortos em Gaza e fala em crimes de guerra
Em meio a um debate sobre a credibilidade dos números de mortos em Gaza, a ONU e a OMS afirmam que o Ministério da Saúde na região bombardeada enviou uma lista completa das mais de 7 mil vítimas, com nomes e detalhes. O documento conta com 212 páginas. A ONU também afirma que, neste momento, está "confiando" nessa conta, enquanto a OMS chama o debate aberto sobre a credibilidade dos números de "cínico".
Independente de qual seja o número exato de vítimas, a ONU descreve a situação como "crimes de guerra" e aponta que "muitos mais morrerão" diante da falta de ajuda. A entidade também descreveu nesta sexta-feira "atrocidades" e "carnificina" cometidas diariamente e alerta que já são 57 os funcionários da ONU mortos em Gaza.
O que aconteceu
Nos últimos dias, o presidente americano Joe Biden colocou em questão a contagem de mortos em Gaza, diante do fato de as autoridades estarem sendo controladas pelo Hamas. Nas redes sociais, mensagens questionando os dados também foram promovidas, como parte de uma guerra de informação. O centro do debate seria o fato de que, em Gaza, a autoridade é controlada pelo Hamas.
Lynn Hastings, representante da ONU para a Coordenação Humanitária nos Territórios Ocupados da Palestina, explicou nesta sexta-feira que a ONU está usando esses dados dessas mesmas autoridades há anos. Ela ainda destacou que, desde 7 de outubro, a entidade também confia nos dados do Ministério da Saúde Israel para falar sobre o que ocorre entre as vítimas israelenses.
De acordo com ela, existe um processo de exame após cada incidente, ao longo dos anos. Com o cerco e a violência, o acesso está dificultado para qualquer agências internacional. "Estamos num processo complicado de confirmação", disse. Hastings não descarta que o número final possa ser diferente. Mas alerta que "corpos continuam empilhados". "Quantos precisam morrer para ser uma crise?", questionou.
OMS chama debate de "cínico"
A Organização Mundial da Saúde também indicou que tem usado os dados do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, e indicou mais de 7 mil mortos até este momento. Segundo eles, os dados ainda passam pelas autoridades em Ramallah, na Cisjordânia e controlada pelo Fatah.
"Dependemos dos números das autoridades nacionais. Isso também ocorreu na pandemia", disse Richard Peeperkorn, representante da OMS em Jerusalém.
Segundo ele, a OMS recebeu lista, com detalhes de cada uma das vítimas. "Essa é uma questão cínica. Se fosse mil a mais ou a menos, o debate mudaria?", questionou. O representante da OMS ainda elogiou os números produzidos pelas autoridades de saúde em Gaza.
Numa coletiva de imprensa nesta sexta-feira, a entidade destacou que, baseado no número de Gaza, 68% das vítimas hoje são crianças e mulheres. 45% das residências estão destruídas e 76 ataques foram realizados contra serviços de saúde.
"Crimes de guerra, por enquanto"
Para a ONU, tanto a "punição coletiva" cometida por Israel contra os palestinos como a tomada de reféns israelenses por parte do Hamas são "crimes de guerra". Segundo ela, não há ainda como confirmar um genocídio enquanto uma investigação não possa ser realizada.
Na ONU, porém, não se descarta essa conclusão. "O ciclo de vingança precisa acabar", disse Ravina Shamdasani, porta-voz da ONU para Direitos Humanos. "Esse não será o caminho da paz", alertou. "Estamos preocupados com o fato de que crimes de guerra estejam sendo cometidos", disse.
Muitos dos funcionários da ONU tiveram suas famílias mortas e são obrigados a decidir se dormem pelas ruas ou em casa. "Um dos filhos dos funcionários parou de falar", completou.
"Há quase três semanas, os civis palestinos em Gaza têm sofrido bombardeios implacáveis de Israel por ar, terra e mar. Milhares de pessoas foram mortas, jazendo mortas entre prédios residenciais, mesquitas e padarias destruídos", disse.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Recebemos testemunhos angustiantes de famílias inteiras mortas por ataques aéreos em suas casas, incluindo as famílias dos membros da nossa própria equipe. De pais que escreveram os nomes dos filhos em seus braços para identificar seus futuros restos mortais. Das noites aterrorizantes e sem dormir que as pessoas estão passando ao ar livre, enquanto os ataques aéreos continuam sobre suas cabeças. Lamentamos a perda de 57 colegas da ONU e de tantos outros civis que foram claramente afetados de forma desproporcional", disse Ravina, visivelmente emocionada.
"A punição coletiva está ocorrendo por meio do bloqueio de água, alimentos, combustível e eletricidade. A escassez de combustível está forçando o fechamento de hospitais e padarias. As pessoas são forçadas a se refugiar em abrigos em condições cada vez mais terríveis; superlotados, com saneamento precário e água potável insegura, trazendo o espectro de um surto de doenças. Uma catástrofe humanitária se desenrola para os 2,2 milhões de pessoas trancadas em Gaza, que estão sendo punidas coletivamente", afirmou.
"A punição coletiva é um crime de guerra. A punição coletiva de Israel contra toda a população de Gaza deve cessar imediatamente. O uso de linguagem desumanizadora contra os palestinos também deve ser interrompido", apelou.
Mas ela também alertou para os crimes cometidos pelo Hamas. "Os ataques indiscriminados de grupos armados palestinos, inclusive por meio do lançamento de foguetes não guiados contra Israel, devem cessar. Eles devem libertar imediata e incondicionalmente todos os civis que foram capturados e ainda estão presos. A tomada de reféns também é um crime de guerra", disse.
Apenas 8 caminhões entrarão hoje
A principal preocupação da ONU, porém, é outra conta: a da entrada de ajuda para Gaza. Nesta sexta-feira, apenas oito caminhões estão sendo organizados para entrar na região, 2% do volume necessário.
Apenas 74 caminhões puderam entrar em Gaza desde que um acordo entre os EUA e Israel foi anunciado. Mas o processo é longo e, segundo a ONU, há uma pressão política sobre o governo de Benjamin Netanyahu para não aumentar o volume.
Em cada carregamento, o material precisa ser retirado dos caminhões, verificados e colocados em outros veículos. Em alguns dos dias, o material apenas conseguiu chegar pela noite.
Antes da atual crise, 450 caminhões estavam entrando em Gaza. Para alimentar os palestinos, 45 caminhões de alimentos são necessários por dia.
Segundo a ONU, "os serviços básicos estão desmoronando". "Os medicamentos estão acabando. Os alimentos e a água estão acabando. As ruas de Gaza começaram a transbordar de esgoto. Gaza está à beira de um enorme perigo para a saúde, pois o risco de doenças está se aproximando", declarou Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para Refugiados Palestinos.
Combustível ao Hamas negado pela ONU
Outro esclarecimento da ONU se refere ao combustível, considerado como fundamental para que a ajuda humanitária ocorra. Israel, porém, nega sua entrada, alegando que poderia ser usada pelo Hamas. Nos últimos dias, os israelenses também insistem que o grupo palestino conta com estoques. A ONU afirma "desconhecer" esses estoques e nega qualquer roubo por parte dos militantes palestinos.
Antes da crise um carregamento de 1 milhão de litros existia em Gaza. Mas o volume tem caído rapidamente. "O volume está se esgotando", admitiu Hastings. "Os geradores estão parando, um a um", disse. Só a OMS afirma que precisa de 95 mil litros de combustível por dia para permitir que hospitais possam funcionar.
"Operações estão ocorrendo nos corredores e sem anestesia, pessoas que deveriam na UTI estão em todas as partes. O cheiro da morte está em todos os lugares e os corpos de crianças em todos os lados", disse Richard Peeperkorn, representante da OMS em Jerusalem.
Segundo ele, a entidade cortou "drasticamente" o consumo de combustível. "Nossa equipe teve que tomar decisões difíceis que nenhum trabalhador humanitário deveria tomar", disse ele. "O que precisa de mais apoio? Padarias, estações de água? Máquinas de suporte à vida no hospital? Tudo isso precisa de combustível para funcionar."
Lazzarini também destacou que sua entidade conta com um sistema de monitoramento do material que entra em Gaza. "Não há desvios de nenhuma ajuda humanitária para as mãos erradas", garantiu.
Ele negou que o Hamas tenha roubado combustível. "Fico triste que a ajuda humanitária seja constantemente questionada, ao mesmo tempo em que o desespero é transmitido ao vivo sob nossa vigilância", completou.
400 mil ainda no norte de Gaza
Segundo a ONU, apesar das ordens de Israel de evacuar o norte de Gaza para que uma operação militar ocorra, a estimativa é de que entre 300 mil e 400 mil palestinos ainda estejam na região.
No Sul, aqueles que fugiram descobriram que continuam sendo alvo de ataques e que os abrigos já estão lotados. "Vemos gente voltando ao norte", disse Hastings. No total, existem 1,4 milhão de palestinos deslocados, numa região de apenas 2,2 milhões de habitantes.
"Não há mais lugares seguros", disse a representante.
A situação é também confirmada por Ravina Shamdasani, porta-voz da ONU para Direitos Humanos. "Apesar de suas repetidas ordens aos residentes do norte de Gaza para que se mudem para o sul, sugerindo que é seguro, os ataques das forças israelenses em duas províncias do sul e no centro de Gaza se intensificaram nos últimos dias. Enquanto isso, continuam os ataques pesados às comunidades do norte, inclusive na cidade de Gaza", disse.
"Obrigar as pessoas a evacuar nessas circunstâncias, inclusive para lugares como "a área designada por Israel" de Al Mawasi, e enquanto estiverem sob um cerco completo, levanta sérias preocupações sobre a transferência forçada, que é um crime de guerra", alertou.
"O uso de armas explosivas por parte de Israel, com efeitos de área ampla em áreas densamente povoadas, causou grandes danos à infraestrutura civil e perda de vidas civis que, ao que tudo indica, é difícil de conciliar com o direito humanitário internacional", completou Ravina.
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