Jamil Chade

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Brasil vence antiprêmio na COP28 por adesão à Opep+

A decisão do Brasil de aderir à Opep+ como membro associado garantiu ao governo o prêmio Fóssil do Dia, na Conferência da ONU sobre o Clima, a COP28.

Nesta segunda-feira, o país foi escolhido como o vencedor do antiprêmio, destinado a denunciar aqueles governos que prejudicam o meio ambiente ou que tomam decisões políticas e diplomáticas contrárias aos objetivos da conferência internacional.

Em 2021, o governo de Jair Bolsonaro já havia recebido o "prêmio", designando a delegação na Conferência de Glasgow como a que mais prejudicava o clima.

Agora, o Brasil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi designado, segundo os organizadores, por ter decidido aderir ao cartel do petróleo, no mesmo momento em que tenta convencer ao mundo que quer ser líder nas questões ambientais. A entrada do governo se refere ao grupo de países associados à Opep e não se refere ao bloco que, de fato, toma decisões.

Mesmo assim, o gesto foi criticado por entidades como Greenpeace e WWF. A adesão ainda deixou membros do Itamaraty e do Ministério de Meio Ambiente irritados com a postura do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira e responsável pelo lobby pela adesão do Brasil.

O prêmio é dado pela Climate Action Network (CAN), uma rede de 1,3 mil ONGs de todo o mundo e que está presente em 120 países.

"Brasil, Opep+ não é como se soletra liderança climática", diz o grupo da sociedade civil.

Silveira já havia indicado sua recusa em aceitar o consenso científico em relação à necessidade de cortar investimentos em energia fóssil. A ONU vem insistindo que, sem esse corte, as metas de impedir que a temperatura do planeta supere a marca de 1,5ºC não será atingida. O IPCC, Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, também aponta na mesma direção.

Empolgação com Lula no Egito se desfaz em Dubai

De acordo com os organizadores do prêmio, a "empolgação na COP do ano passado era palpável, com o Brasil de Lula prometendo ser um sopro de ar fresco como campeão do clima".

"Mas, como diria o Tio Ben do Homem-Aranha, com grande poder vem grande responsabilidade. O Brasil é o vencedor do Fóssil do Dia de hoje, pois parece ter confundido produção de petróleo com liderança climática", criticou o grupo.

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"A corrida do Brasil pelo petróleo prejudica os esforços dos negociadores brasileiros em Dubai, que estão tentando romper velhos impasses e agir com um senso de urgência", afirmou.

Segundo eles, o ministro da Energia do Brasil, Alexandre Silveira, "achou estranhamente apropriado anunciar a adesão à Opep+ no primeiro dia da conferência".

"De acordo com essa lógica distorcida, eles devem estar pensando: em troca de um centavo, em troca de uma libra, pois têm planos de leiloar 603 novos blocos de petróleo em 13 de dezembro, apenas um dia após o término da COP28. Isso não pode ser apenas uma coincidência, certo?", ironizam.

O comunicado cita reportagem da Agência Pública que aponta que as emissões esperadas de uma das novas fronteiras petrolíferas que o Brasil quer abrir, a Margem Equatorial - que inclui blocos na foz do rio Amazonas -, cancelarão os cortes de emissões obtidos com o desmatamento zero.

"Ao contrário do que as empresas petrolíferas nos dizem, não é possível compensar a destruição de um ecossistema inteiro com uma boa ação", afirmou.

O comunicado ainda manda um recado claro ao governo Lula:

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"Brasil, não queremos um tour pelos campos de petróleo quando estivermos em Belém em 2025. E, se você quiser apenas entrar em um clube para participar, sugerimos que siga seu vizinho, a Colômbia, e se inscreva no Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis em vez da Opec+", completam.

Para Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, "ao reduzir o desmatamento em 22% em apenas 11 meses no cargo, o presidente Lula deu uma das contribuições mais significativas para mitigar o aquecimento global em 2023". "Porém, com um grande poder vem uma grande responsabilidade. Não se pode liderar o Sul Global contra a crise climática investindo no produto que a provoca", disse.

Na avaliação de Alexandre Prado, líder de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, embora o país busque o protagonismo climático, "sua postura contraditória ao entrar na OPEP+ reduziu os trunfos angariados com a redução do desmatamento e os planos e políticas climáticas anunciados".

"A premiação deixa claro que a imagem do Brasil não está tão boa como esperado e é um sinal de alerta para todo o mundo sobre o real comprometimento do país que sediará a COP 30, quando todos os países deverão apresentar novos compromissos de corte nas emissões", disse.

"O mundo todo olhava para o Brasil com esperança de ter um novo líder climático e a turnê petroleira que o governo fez a caminho de Dubai foi um duro golpe nessa esperança", afirmou.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, também reagiu. Esse prêmio, que já é uma tradição em todas as conferências, destaca os países que mais atrapalham a luta contra a crise climática. Com o anúncio de que entrará na OPEP+, o Brasil conseguiu anular os méritos conquistados com a queda de 22% no desmatamento na Amazônia", lamentou.

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"Conseguiu também colocar em dúvida a liderança climática do país que sediará a COP30, quando novos compromissos de redução das emissões dos gases de efeito estufa devem ser apresentados por todos os países", constatou.

Segundo ela, usar a viagem para conferência climática como carona para ampliar o compromisso com os combustíveis fósseis foi um tiro no pé do ponto de vista diplomático, climático e econômico. "O fóssil do dia é um alerta para o governo brasileiro corrigir os rumos imediatamente", completou.

O anúncio sobre a adesão minou a estratégia do Brasil na COP28

Não faria sentido, segundo diplomatas, pressionar os ricos por recursos e promover uma ruptura em relação ao governo de Jair Bolsonaro e, ao mesmo tempo, anunciar a adesão ao bloco de exportadores de petróleo.

O anúncio pegou o governo de surpresa. Inicialmente, o Palácio do Planalto desmentiu que já houvesse uma confirmação da participação do país como parte da Opep+ — que reúne aliados da Opep — e informou que o tema estava "sob análise".

Nos discursos de Lula, já na sexta-feira (1º), o presidente insistiu em falar sobre a necessidade de "descarbonizar o planeta" e criticou o fato de que a transição para reduzir a dependência ao petróleo era lenta.

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A desconfiança de uma ala dentro do Palácio do Planalto e do Itamaraty é de que a informação foi deliberadamente publicada como forma de minar a tentativa do Brasil de se apresentar como um porta-voz dos países emergentes na agenda ambiental.

A análise era de que não havia motivo para os países exportadores de petróleo terem divulgado a notícia, sem uma coordenação com Brasília.

Neste sábado, porém, o próprio Lula admitiu que o Brasil entraria para o bloco. Mas usou de argumentos para tentar minimizar o impacto da decisão.

Lula disse que, por fazer parte apenas dos membros associados, o país "não apitaria nada". Também afirmou que se tratava de uma oportunidade para influenciar a Opep a buscar a energia renovável. A fala chegou a ser ironizada por negociadores brasileiros, apontando que esse não é o objetivo do bloco.

A Opep, dizem eles, criou o grupo de associados justamente para ir na direção contrária: ampliar sua influência política no mundo.

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