Jamil Chade

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Nos bastidores, diplomatas agiram contra ações golpistas de Bolsonaro

Contrariando o Palácio do Planalto e mesmo ordens de Jair Bolsonaro, o então presidente, diplomatas brasileiros atuaram nos bastidores para garantir tanto o funcionamento das urnas eletrônicas quanto a existência de observadores internacionais na eleição de 2022. Para completar, por uma decisão do Itamaraty, a chancelaria tentou convencer a cúpula bolsonarista a não realizar a reunião com embaixadores estrangeiros, que acabaria acarretando a inelegibilidade de Bolsonaro.

Fontes no Ministério das Relações Exteriores revelaram ao UOL, na condição de anonimato, que houve uma estreita cooperação entre uma ala da diplomacia brasileira e os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), meses antes da eleição que deu a vitória ao petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos trabalhos foi justamente o de fazer a ponte e facilitar o contato da instância eleitoral a observadores estrangeiros. De acordo com embaixadores, foram vários os encontros com os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso.

Como resultado, missões como a da OEA (Organização dos Estados Americanos) foram acertadas, apesar das críticas duras feitas por Bolsonaro. O único ponto de discórdia entre o Itamaraty e o TSE foi quanto à participação da União Europeia, que queria enviar uma missão de observação. O Judiciário era favorável, mas a diplomacia considerava que não era adequada a presença de um organismo do qual o Brasil não faz parte.

Um segundo aspecto crítico foi a atuação de diplomatas brasileiros para fazer a gestão que traria ao Brasil os chips necessários para que as urnas eletrônicas pudessem funcionar. A empresa que havia vencido a licitação para fornecer as urnas, a Positivo Tecnologia, passou a sofrer com a escassez que o mundo vivia de semicondutores, a partir de 2020.

A empresa concorria com a poderosa indústria automotiva pelos equipamentos necessários para fabricar as urnas. Sem elas, havia o temor de que erros ou obstáculos justificassem a desinformação difundida pelo bolsonarismo de que o sistema de urnas eletrônicas não era confiável.

Dentro do Itamaraty, a busca pelo chip, uma ação que ganhou pouco destaque, foi considerada como estratégicas na realização do pleito, no final de 2022.

Fontes do alto escalão apontam que coube a diplomatas negociar tanto em Taiwan como nos EUA o acesso aos semicondutores. Depois de semanas de tensão, o êxito foi comemorado como um sinal da cooperação entre o TSE e uma parcela da diplomacia.

Itamaraty não manda convites nem empresta sede

Mas um dos gestos mais claros de distanciamento do órgão em relação ao Palácio do Planalto foi a decisão de se opor à reunião que Bolsonaro queria convocar com os embaixadores estrangeiros.

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Meses antes do encontro, que ocorreu no final de julho de 2022, a proposta de iniciativa chegou à chancelaria. Mas a recomendação foi de que tal ideia não seria adequada. Por semanas, diplomatas brasileiros tentaram convencer o Planalto de que seria um equívoco.

Mas, profundamente irritado com a aproximação do TSE aos governos estrangeiros, Bolsonaro decidiu ir adiante e realizar o encontro, que ocorreu no dia 18 daquele mês. Num discurso diante das delegações de outros países, ele criticou as urnas eletrônicas e acusou o sistema de não ser seguro, sem apresentar qualquer tipo de provas.

O Itamaraty, porém, não mandou os convites às embaixadas estrangeiras em Brasília, não emprestou a sede da diplomacia para o encontro nem sequer esteve presente. A ausência do Itamaraty foi entendida pelos embaixadores estrangeiros como um sinal claro de que aquilo não fazia parte de uma decisão de estado. Bolsonaro foi acompanhado apenas pelo então chanceler, Carlos França.

Por canais extraoficiais, governos estrangeiros ainda foram alertados sobre o risco do encontro e acabaram enviando apenas diplomatas de baixo escalão.

Observadores em Brasília e fontes diplomáticas acreditam que a ação nos bastidores de parte do Itamaraty apenas ocorreu por conta da queda de Ernesto Araújo como chanceler, ainda em 2021. "Provavelmente teríamos sérias dificuldades em agir se, em 2022, o ministro tivesse sido alguém da ala mais radical do bolsonarismo", admitiu um experiente diplomata em Brasília.

No final de 2022, já com a derrota de Bolsonaro nas eleições, a coluna revelou detalhes sobre como foi estabelecida uma rede de resistência clandestina no Itamaraty para conter a política externa bolsonarista.

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Um dos objetivos era o de preservar a credibilidade do Brasil no exterior e salvar décadas de uma construção da diplomacia nacional.

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