Na ONU, Silvio Almeida cita apartheid e acusa Israel de 'punição coletiva'
O ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, cobrou de Israel o cumprimento das determinações da Corte Internacional de Justiça para que um genocídio seja evitado, defendeu que a ocupação das terras palestinas seja declarada como "ilegal" e acusou o governo de Benjamin Netanyahu de promover uma "punição coletiva" contra o povo palestino em Gaza.
Falando na abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira em Genebra, o ministro declarou a "profunda indignação com o que acontece, neste momento, em Gaza".
O discurso é o primeiro do Brasil depois da crise estabelecida com o governo de Israel, que declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "persona non grata". O brasileiro havia citado a Alemanha nazista, ao acusar Israel de "genocídio" em Gaza.
Na ONU, Silvio Almeida ajustou a mensagem brasileira, num discurso em que cada palavra foi calculada.
Ele fez questão de condenar os ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023, contra Israel. "Em mais de uma oportunidade, condenamos os ataques perpetrados pelo Hamas contra cidadãos israelenses e demandamos a libertação imediata e incondicional de todos os reféns", disse.
Mas seu discurso foi direcionado contra as ações cometidas por Israel.
"Também reitero nosso repúdio à flagrante desproporcionalidade do uso da força por parte do governo de Israel, uma espécie de "punição coletiva", que já ceifou a vida de quase 30 mil palestinos - a maioria deles, mulheres e crianças -, forçadamente deslocou mais de 80% da população de Gaza, e deixou milhares de civis sem acesso a energia elétrica, água potável, alimentos e assistência humanitária básica", denunciou.
Ao tomar a palavra, Silvio Almeida ainda defendeu que "a criação de um Estado Palestino livre e soberano, que conviva com o Estado de Israel, é condição imprescindível para a paz". No sábado, o UOL havia revelado com exclusividade que esse apelo seria feito por parte do governo brasileiro.
Ao tratar da situação dos palestinos, o ministro ainda destacou a discriminação que existe conta os palestinos e fez uma alusão ao regime criado pelos sul-africanos.
Ao pedir que a ONU atue para lidar com a crise, ele destacou:
"Consideramos ser dever deste Conselho prestigiar a autodeterminação dos povos, a busca da solução pacífica dos conflitos e se opor de forma veemente a toda forma de neocolonialismo e de Apartheid", disse.
Durante sua fala, o representante brasileiro ainda cobrou de Israel que cumpra as decisões da Corte de Haia que, há um mês, pediu medidas por parte de Netanyahu para evitar um genocídio.
"Ao celebrarmos a iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para proteger a população palestina, ao amparo da Convenção para a Repressão e Punição do Crime de Genocídio, instamos o Estado de Israel a cumprir integralmente as medidas emergenciais determinadas pelo tribunal no sentido de que cessem as graves violações ao direitos humanitário e impedir o cometimento das condutas tipificadas no Artigo 2º da Convenção", disse Silvio.
Isso, segundo ele, inclui "matar ou submeter intencionalmente um grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial, ou seja, genocídio".
De acordo com ele, o Brasil ainda espera que o tribunal "reafirme que a ocupação israelense dos territórios palestinos é ilegal e viola normas internacionais".
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A fala de Silvio Almeida ocorre no momento em que o Brasil retorna ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. "Há um ano, ainda no início de minha gestão como Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, anunciei que o Brasil havia voltado, "de uma nova forma e para um novo tempo". O ano que passou nos desafiou, diariamente, a reconstruir políticas públicas e a pensar novas abordagens para responder às necessidades de um Brasil que encontramos mais desigual e mais dividido", disse.
Segundo ele, Lula "resgatou a vocação universalista e reposicionamos o Brasil nas discussões multilaterais e nos contenciosos internacionais no campo dos direitos humanos".
Silvio Almeida alertou ainda que um dos desafios é materializar os direitos humanos na vida das populações. "Por isso, defendemos a necessária convergência entre o debate econômico e a agenda de direitos humanos", disse.
"Sem transformações econômicas profundas que incluam a proteção do trabalhadores, a ampliação dos direitos sociais e a inclusão dos pobres no orçamento, os direitos humanos tornar-se-ão retórica vazia e o caminho para a ascensão do fascismo estará livre", afirmou.
Crítica aos países ricos e defesa da reforma da ONU
O palco da ONU ainda foi usado pelo governo para apresentar a agenda do Brasil como presidente do G20, para defender a reforma dos organismos internacionais e fazer críticas abertas contra os países ricos por instrumentalizar o órgão de Direitos Humanos da ONU.
"Conclamo a todos os presentes a, conjuntamente, refletirmos sobre o papel a ser desempenhado por este Conselho", disse.
"Aqui, são colocados muitos dos desafios enfrentados pela humanidade. Há, ainda, quem resista a enxergar parte dessa humanidade como destinatária dos mesmos direitos de que desfrutam e, tragicamente, há quem não acredite que esses desafios que enfrentamos são, de fato, comuns a todos nós", afirmou, num recado a certos grupos de países.
"Os direitos humanos não podem se submeter à lógica mercantil, em que só os que podem pagar são dignos de respeito", afirmou.
Silvio Almeida criticou abertamente os países ricos pelo uso dos direitos humanos para fins políticos. "A instrumentalização do Conselho como subterfúgio moral para que os países mais ricos possam impor seu poder bélico e econômico apenas aprofundará a crise do multilateralismo e, o que considero mais preocupante, resultará no descrédito das instituições internacionais aos olhos de nossas populações", alertou.
Golpe e desinformação
O ministro ainda pediu que a ONU atue para lidar com o discurso do ódio e desinformação. "No campo da memória, verdade e justiça, o ano de 2024 marcará os 60 anos do Golpe Militar que inaugurou 21 anos de um regime ditatorial repressivo, violento e antipopular no Brasil, cujas sombras ainda pairam sobre a nossa sociedade", disse.
"Diversos eventos promovidos por entidades governamentais e não governamentais buscarão enfatizar a importância da defesa permanente da democracia", explicou.
"Nesse contexto, exortamos este Conselho a aprofundar seus trabalhos no campo do combate ao discurso de ódio e à desinformação, que, consistentemente, tem minado não apenas nossas democracias, mas a convivência pacífica no interior de nossas sociedades e entre nossos povos", destacou.
"Por isso, o Brasil entende ser seu dever, mas também deste Conselho, se opor firmemente a toda forma de racismo, sexismo, antissemitismo ou islamofobia", defendeu.
Ações domésticas e reposicionamento
O ministro ainda listou suas iniciativas adotadas em 2023, como nas políticas para pessoas com deficiência, a defesa de ativistas e ambientalistas, no enfrentamento da miséria e a fome no Brasil, na luta contra a violência contra Pessoas LGBTQIA+.
"No plano internacional, passamos a integrar a "Equal Rights Coalition", o que reforça nosso compromisso em construir um mundo livre de violência e discriminação com base em orientação sexual e identidade de gênero", disse. O gesto representou uma ruptura em relação às políticas adotadas por Damares Alves, que ocupou o ministério nos anos de Jair Bolsonaro.
O ministro ainda confirmou o compromisso do Brasil com a questão do meio ambiente e da mudança do clima, bem como suas relações com a agenda de direitos humanos.
Segundo ele, o Brasil vai usar a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 2025 em Belém, para destacar a relação entre a promoção do desenvolvimento sustentável e a realização dos direitos humano.
"Ao ocuparmos novamente uma cadeira neste Conselho, renovamos nosso compromisso pela construção de um mundo em que todas as pessoas tenham a oportunidade de conhecer e aprender com o passado e a possibilidade de projetar para si e para sua comunidade um futuro mais justo e solidário. Que direitos humanos seja sinônimo de palavras como futuro, transformação e esperança", completou.
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