Após 14 anos de negociação, Brasil adere ao maior centro de física do mundo
Depois de 14 anos de negociações e tramitações, o governo brasileiro aderiu ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), em Genebra (Suíça). Trata-se do maior centro de pesquisas física do mundo e local de origem da World Wide Web, que impulsionou a internet a um novo patamar.
O anúncio foi publicado pela entidade nesta sexta-feira. O Centro destacou que a adesão transforma o Brasil no primeiro país latino-americano a fazer parte do Centro, na condição de membro associado.
Estima-se que o Brasil terá que pagar cerca de US$ 12 milhões por ano para formalizar a participação.
"Como Estado Membro Associado, o Brasil tem o direito de indicar representantes para participar das reuniões do Conselho do Cern e do Comitê Financeiro", explicou a instituição. "Seus cidadãos podem se candidatar a cargos de duração limitada e aos programas de pós-graduação do Cern, e sua indústria tem o direito de concorrer a contratos do Cern, aumentando as oportunidades de colaboração industrial em tecnologias avançadas", afirmou.
O governo estima que o acordo permitirá o intercâmbio maior de pesquisadores e o envolvimento de entidades brasileiras em projetos internacionais. Para o setor produtivo o acordo também trará resultado, já que empresas poderão fornecer equipamentos para as expansões do Cern e manutenções previstas no sistema. O investimento deve ser recuperado pela venda de produtos das empresas nacionais, num mercado global.
O acerto entre o governo brasileiro e o Cern ocorreu ainda em 2022 e foi resultado de uma negociação que percorreu mais de uma década.
Naquele momento, o Cern havia estabelecido que o governo brasileiro teria de conseguir a ratificação do Congresso até março de 2023. Mas a troca de governo no Brasil obrigou o país a pedir que o prazo fosse adiado até 2024 — o que foi aceito pelos europeus.
No ano passado, a ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, visitou o centro em Genebra, com uma delegação de deputados. O objetivo era o de sensibilizar os parlamentares e permitir que o processo de ratificação fosse acelerado na Câmara dos Deputados.
Em coletiva depois da visita, a chefe da pasta rebateu críticos que questionam o uso dos recursos para um projeto no exterior. Segundo ela, a adesão vai permitir que a indústria nacional possa entrar num mercado milionário e fornecer tecnologia.
Segundo ela, o Cern oferece hoje contratos de US$ 500 milhões — o Brasil, portanto, quer uma fatia disso. 70% da contribuição brasileira seria revertida em contratos do organismo internacional a empresas nacionais. "A adesão abre muitas possibilidades para a indústria brasileira", disse.
Com um fundo nacional para pesquisas avaliado em R$ 10 bilhões, a ministra acredita que destinar US$ 12 milhões ao Cern "não seria um custo exorbitante para as vantagens que o país adquire". Segundo ela, a adesão "não compromete" o financiamento à ciência nacional e o valor seria "insignificante" se avaliado o custo-benefício. "Ele gera renda, empregos e adquirimos conhecimentos", defendeu.
Outra vantagem seria a transformação tecnológica do Brasil na área de nióbio. Para a ministra, o país não pode continuar sendo apenas fornecedor de matéria-prima. O mineral é usado nos supercondutores e o Brasil espera adquirir tecnologia para construir ligas para esses equipamentos
Histórico
O projeto ganhou impulso no governo de Dilma Rousseff (PT). Ainda na década passada, diplomatas brasileiros começaram a mediar a assinatura de uma carta de intenções entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Cern, entidade que entrou para a história com a criação da web há duas décadas e com o maior acelerador de partículas do mundo, que garantiu a confirmação da existência do bóson de Higgs.
Newsletter
JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEm 2010, um sinal positivo por parte do Cern sobre uma eventual entrada do Brasil foi comemorado como o primeiro passo para a adesão do país. Depois, o então ministro da Ciência, Aloizio Mercadante, chegou a visitar Genebra e prometeu acelerar o processo.
Em 2012, o Cern enviou uma missão para avaliar a situação do país. O resultado foi positivo.
Em 2013, atrasos na comunicação com o governo foram registrados e a cúpula do Cern não escondia a insatisfação com a lentidão no processo. Já naquele momento, o então diretor do Cern e cientista Rolf Heuer, ironizou diante de uma pergunta sobre a falta de uma resposta do governo brasileiro. "Você sabe o que é um buraco negro? É incompreensível a demora do Brasil".
Mas o que parecia ser uma crise foi contornada. O Brasil acelerou os trabalhos e enviou a documentação exigida pelo Cern, o que envolvia um inventário da ciência no país e toda a capacidade de pesquisa existente.
O Cern considerou que a documentação "atendia aos critérios" para a adesão como membro associado. Assim, o Conselho Executivo do Cern deu luz verde para que um tratado de adesão fosse desenhado entre a entidade. O acordo foi traçado e enviado ao Brasil, com a previsão de que pudesse ser assinado em 2014. Mas o silêncio total prevaleceu, segundo o Cern.
Agora, o processo foi finalmente completado.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.